Os resultados eleitorais e, sobretudo, a expectativa de uma alteração da posição relativa do PS e do Chega, ainda não confirmada quando escrevo este texto, alimentaram os comentários e as especulações dos últimos dias, e vão continuar a fazê-lo nos próximos tempos.
É natural que assim seja. Não creio que alguém estivesse à espera de uma queda tão forte do PS, que se fica a dever, na minha opinião, por um lado, ao facto de o eleitorado não ter entendido a necessidade das eleições e, por outro, à incapacidade da direcção do partido para prever que o tema da Spinumvida seria desvalorizado pelos eleitores. Este erro de previsão levou à insistência na proposta de realização de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), a que o Governo respondeu com a apresentação da Moção de Confiança, alegando que todas as informações tinham sido prestadas.
Pedro Nuno Santos percebeu que a viabilização da Moção de Confiança através de uma abstenção seria interpretada como sustentação das políticas do Governo, e ainda teve nas suas mãos a hipótese de evitar as eleições, se aceitasse condicionar um pouco os trabalhos da CPI como contrapartida para que o Governo (que também não estava confiante nas perspectivas eleitorais) retirasse a Moção de Confiança, mas não teve a serenidade necessária para antecipar que esse era o cenário que mais lhe conviria.
Na realidade, o único interessado nas eleições era o Chega que, para sobreviver, precisa de manter um clima de agitação permanente em que possa continuar a aproveitar as percepções primárias de que alimenta as suas intervenções públicas. Vazio de ideias (excepto que “é de direita”), agarra-se, como todos os partidos populistas, a impressões geradas pelos sentidos, e cria argumentos falaciosos manipulando factos e estatísticas com a finalidade de criar um ambiente de rejeição do presente, servindo-se das redes sociais como megafone e comportando-se no parlamento como se estivesse em permanente comício.
Essa postura resulta durante algum tempo. Mas não vejo como seja possível na Europa Ocidental dos dias de hoje, que é estruturalmente democrática e que respeita os direitos humanos e a separação de poderes, defender uma sociedade assente no paradigma do autoritarismo, centrada na figura do “chefe”, em que se promovem princípios que representam um verdadeiro retrocesso civilizacional, como a pena de prisão perpétua e a castração química, e se negue a igualdade de todos perante a Lei, o direito de todos a buscarem a felicidade, e se promova a segregação e a xenofobia.
Como dizia Abraham Lincoln, “pode-se enganar a todos durante algum tempo, e a alguns durante todo o tempo. Mas não se pode enganar toda a gente durante todo o tempo”. No entanto, são estes os ventos que sopram actualmente pela Europa e pela América, recordando a década de 30 do século passado.
Então, os Estados Unidos estavam centrados em si próprios, preocupados em resolver os seus problemas internos. Na Europa, as populações entusiasmavam-se com as proclamações populistas e nacionalistas que agitavam o perigo que vinha da União Soviética contra o crescente domínio da alta finança internacional, encabeçada por judeus, e com a ameaça da contaminação genética que punha em risco a “raça superior”. E havia quem aceitasse que as questões internacionais se resolviam pela força e pela guerra de conquista, e que uma forma de resolver esses problemas seria a contemporização. Sabemos o que se seguiu. Saberemos hoje reagir de modo diferente?