Ao pé de Joe Berardo, Jorge Jesus é um poeta. Ambos têm severas dificuldades com o idioma de Camões. O segundo é especialista em marcar golos na baliza do adversário, o primeiro em gerar imparidades no balanço dos outros.
Mas há uma diferença abissal entre ambos. Jesus evoluiu muito e nunca fez mal a ninguém. Berardo está rigorosamente como sempre esteve: uma caricatura de si próprio e do país onde vive. É impossível ouvi-lo a tentar juntar as palavras sem ficar de queixo caído, a pensar como pôde alguém assim ter tido o percurso que teve.
Fosse esse, porém, o nosso maior problema.
Para espanto de todos, no dia da sua audição parlamentar, Berardo juntou eficientemente cinco palavras e construiu uma frase percetível: um sujeito, um advérbio, outro advérbio, um verbo e um complemento.
E disse, para todo o País ouvir, “eu – pessoalmente – não – tenho – dívidas”.
Uma frase que é todo um tratado sobre o modo de fazer negócios em Portugal: não tem dívidas, não tem bens, nem sequer a casa onde vive, muito menos os quadros da coleção que tem o nome dele. Nem tem, obviamente, um pingo de vergonha na cara.
Em contrapartida, tem seguramente muito bons advogados. Esperemos que os bancos que ele ludibriou — esperemos que tenham sido apenas ludibriados, de forma infantil, e não tenha havido cumplicidades — tenham agora ainda melhores advogados.
Eu, pessoalmente, nunca vi nada que estivesse blindado a 100%. Se não for possível desconsiderar a personalidade jurídica das várias sociedades, associações e fundações que fazem de testas de ferro deste sujeito, é bom que revejam a teoria, porque manifestamente não está a servir o seu propósito. Se não for possível os credores chegarem aos famosos quadros da coleção, que estão expostos num museu do Estado, à vista de toda a gente, e que o próprio Berardo acaba por reconhecer que são dele — “a arte é a minha vida” — algo está errado no processo civil.
A audiência parlamentar não pode ficar sem resposta. Em especial, gostaria de ver os presidentes dos bancos credores explicar em público, primeiro, como foram em concreto concedidos os créditos a Joe Berardo e, segundo, por que razão, ao fim destes anos todos, ainda os não conseguiram recuperar (pelo menos em parte).
Conviria que o fizessem com a mesma convicção com que há poucos dias defenderam a cobrança, aos seus clientes, de uma comissão pela utilização das caixas multibanco. Dizia um deles que “a cobrança é uma questão de justiça. Se é prestado um serviço, ele tem de ser pago”. E outro reforçava, irónico, que nem conseguiam “explicar lá fora que os clientes não pagam”. Enfim, todo um absurdo.
Pois, seria bom que os presidentes dos bancos, com o mesmo ar grave, viessem garantir aos seus clientes que não vão pagar, pela segunda vez, as dívidas do Sr. Berardo. Como já pagaram os brutais aumentos de capital, através dos seus impostos, talvez fosse também uma “questão de justiça” não lhes cobrar por agora a trabalheira que pelos vistos as caixas multibanco têm a dar aos depositantes o dinheiro que lhes pertence.
Obrigação especial neste domínio tem o presidente da CGD, porque afinal o banco não pode ser público apenas para alguns efeitos. Ele deve uma explicação aos seus clientes, aos portugueses e aos deputados, que saíram literalmente humilhados desta audição parlamentar. Caso contrário, tal como Berardo respondeu a uma deputada, “ah! ah! ah!”.