O povo costuma dizer que quando se quer que um almoço corra bem deve evitar falar-se de política, de futebol e de religião. Ora, o artigo de hoje versa exatamente sobre dois dos três temas que se consideram tabus quando se pretende conservar uma amizade: política e futebol. De fora, fica, apenas, a religião.

Em Portugal, o último fim de semana ficou marcado pela realização das eleições autárquicas e pelo primeiro clássico da temporada, o Sporting-Porto, isto enquanto o Benfica se deslocava ao Funchal para defrontar, nos Barreiros, um sempre complicado Marítimo.

No domingo ao final da noite, já sabíamos que nas autárquicas António Costa tinha trucidado Passos Coelho, que em Alvalade Sérgio Conceição havia conseguido neutralizar Jorge Jesus e que no Funchal Rui de Vitória continuava a ter apenas o nome.

Comecemos pela política. Num momento em que vivemos uma onda rosa, não é de estranhar que o PS tenha conseguido arrebatar a maioria das Câmaras Municipais, podendo, no final da noite, clamar vitória, falando de um resultado histórico, nunca antes visto. Os grandes derrotados da noite foram Pedro Passos Coelho, cuja reflexão parece não poder ter outro resultado que não o atirar da toalha ao chão, abandonando a liderança do PSD, e Jerónimo de Sousa, que viu confirmado o cenário que se adivinhava de grande penalizado pela participação na geringonça.

Passos Coelho, no seu jeito de homem sério, poupadinho, teimoso, capaz de anunciar à distância os ventos da desgraça, deve ter percebido, se ainda não tinha entendido, que os portugueses querem outro tipo de liderança, mais arrojada, mais convincente, mais dialogante, mais gastadora, apesar de menos honesta, menos certinha.

As autárquicas deram-lhe mais uma lição e, nesse particular, Oeiras foi um caso paradigmático: os cidadãos eleitores querem mais quem faça, do que quem avise, mais quem concretize, do que quem preveja, e são capazes de entregar o seu voto a quem achem que melhora as suas vidas, ainda que, para o fazer, melhore, muito mais, a sua própria situação, atropelando a legalidade e recorrendo a práticas menos claras, quando não fraudulentas. Punem os certinhos e premeiam os espertalhaços, penalizam os verdadeiros e beneficiam os vendedores de promessas.

Passos passou, assim, em dois anos, de bestial a besta, de vencedor apeado, a derrotado em reflexão. Em contraposição, Costa deixou se ser a besta fratricida que assassinou Seguro, que se apoderou à força do poder, ainda que perdendo as eleições, para passar a ser o homem bestial, capaz de devolver a esperança aos portugueses, de apaziguar as agências de rating, de conduzir o país ao crescimento económico, de domar Bloco de Esquerda e Partido Comunista, mantendo-os fiéis à geringonça.

No futebol, ainda é mais patente o carácter efémero das coisas. Vindo de quatro títulos consecutivos, Luís Filipe Vieira passou de bestial a besta em apenas alguns meses. Prometendo aos adeptos a luta pelo inédito penta, LFV deixou-se seduzir pelos milhões que lhe acenaram Barcelona, Manchester United e Manchester City, perdendo alguns dos seus valores mais seguros. Sem Ederson, Lindelof e Nelson Semedo, o Benfica de Rui Vitória, outro que passou de bestial a besta em apenas algumas semanas, tem sido incapaz de ganhar na Europa e em Portugal, apresentando uma ausência confrangedora de fio de jogo.

Enquanto isso, Pinto da Costa, que para os adeptos portistas já tinha sido atirado para a vitrina dos fósseis, parece ter ressuscitado pela mão de Sérgio Conceição e até Bruno de Carvalho e Jorge Jesus, até há pouco em rota de colisão, parecem ter reencontrado o  clima de romance que se instalou em Alvalade quando há dois ano o presidente sportinguista “roubou” o treinador ao rival Benfica.

Sabemos que tudo pode mudar num ápice. Na política, uma crise internacional, um conjunto de greves mais mediáticas ou um escândalo mais apimentado são capazes de atirar Costa para a companhia das bestas, deixando a companhia dos bestiais. No futebol, será ainda mais fácil assistirmos aos adeptos a endeusarem novamente Luís Filipe Vieira e Rui Vitória, bastando, para tal, um rol de vitórias capazes de fazer esquecer os recentes desaires, ao mesmo tempo que voltam a senilizar Pinto da Costa ou a invetivar Bruno de Carvalho ou Jorge Jesus.

Não há dúvida de que em política e em futebol, as bestas se confundem, dia sim, dia não, com os bestiais, sendo fácil sair-se, como que por passes de mágica, de uma situação para a outra, para, novamente, num curto espaço de tempo, se voltar à situação inicial.