A edição da revista The Economist da semana passada faz capa com o tema do big data, formulando um audível apelo à revisão das atuais regras de concorrência para endereçar as questões que suscita a nova data economy. Segundo esta publicação, a necessidade de reforma resulta do facto de as ferramentas que hoje estão ao dispor das autoridades que lidam com estas matérias terem sido concebidas em tempos em que a economia tinha outro paradigma e não lhes permitem endereçar todas as preocupações.
O tema é complexo e os primeiros casos das autoridades de concorrência nacionais parecem indicar que alguma reflexão adicional ainda é necessária. Na semana passada, a autoridade de concorrência italiana condenou o WhatsApp ao pagamento de uma coima de mais de três milhões de euros por, supostamente, fazer crer aos seus clientes que a continuidade da prestação do serviço dependia da autorização para partilhar dados pessoais destes com o Facebook, sua empresa-mãe. Há uns meses, a autoridade de concorrência alemã anunciou uma investigação ao Facebook por suspeitar que a autorização para utilização de dados pessoais que o utilizador tem que conceder para aceder ao serviço traduz-se na imposição de condições injustas aos utilizadores (que nem compreenderão bem o âmbito da autorização concedida), configurando por isso um abuso de posição dominante, além de incumprir igualmente as normas de proteção de dados.
Em ambos os casos, não é claro se a principal preocupação é a concorrência ou a privacidade dos clientes. Embora esta seja muito importante, as regras de concorrência não são as que melhor endereçam o problema. Para isso há normas respeitantes à proteção da privacidade, que nada têm que ver com concorrência.
Mas o problema colocado por muitos, não é a privacidade, muito pelo contrário. Segundo o referido artigo do The Economist, um pequeno grupo de superempresas tira partido dos avanços tecnológicos para recolher, processar e analisar dados que são produzidos online pelos seus clientes, cada vez em mais ampla escala. O Google sabe o que pesquisamos. O Facebook, o que partilhamos. A Amazon, o que compramos. O acesso a estes dados permite-lhes conhecer cada vez mais e melhor os seus clientes e melhorar cada vez mais a sua oferta, atraindo assim ainda mais clientes, que geram mais dados, e assim por diante. O preço pago por estes serviços é, muitas vezes, apenas a informação que prestamos sobre nós próprios. E embora este ciclo gere claras eficiências para as empresas e benefícios para os consumidores, parece ao mesmo tempo criar uma forte barreira à entrada para potenciais novos concorrentes nestes mercados: a ausência de acesso a esta informação. No fundo, e concretizando o exemplo, como seria possível a um novo concorrente do Facebook oferecer publicidade tão bem direcionada sem o acesso à base de dados desta empresa?
A questão é que o problema económico que parece estar em causa – os efeitos de rede enquanto barreira à entrada – é conhecido e as regras de concorrência existentes são adequadas para o endereçar, se e quando se justificar uma intervenção. Tipicamente, a solução (o remédio) passa por dar acesso aos dados que estas empresas possuem aos seus concorrentes, atuais e potenciais, mitigando-se assim a dita barreira. Mas isto leva a um resultado oposto àquilo que as autoridades nacionais parecem estar neste momento a endereçar: preocupações de privacidade com regras de concorrência. De facto, um acesso mais amplo a dados pode significar mais concorrência, mas certamente que também significa menos privacidade.
Em suma, as regras da concorrência podem e devem intervir nos temas de big data sempre que destes resultem questões que justifiquem a sua aplicação. Está longe é de ser claro quando e em que circunstâncias isto sucede. O problema está identificado e a reflexão em curso um pouco por todo o mundo, incluindo em Portugal. Reformar regras sem perceber bem o problema nunca deu bom resultado.