Ainda que várias sejam as razões normalmente apontadas para a dificuldade em aderir ao comércio de roupas em segunda mão por parte de algumas pessoas, como o risco de desconhecer o que se vai efetivamente comprar, a higiene normalmente associada à compra de um produto que já pertenceu a outra pessoa, as limitações de modelos e tamanhos, e o embaraço de ser visto pelos pares a amigos a comprar um produto usado, projetando assim uma imagem de baixos rendimentos, a verdade é que se trata de um negócio que não para de crescer.
Há pelo menos sete boas razões que podem levar as pessoas a transacionarem produtos de moda em segunda mão:
1. Há já várias lojas onde o comércio de roupas em segunda mão é possível, sobretudo online, mas também em todo o país. As lojas físicas que vendem roupas em segunda mão, em bom estado e a preços acessíveis, permitem tocar e experimentar os produtos no espaço, evitando-se assim o receio da qualidade. Nos sites de roupas usadas e nas plataformas peer-to-peer (P2P), esta é também uma preocupação que aparece refletida na leitura de comentários e nas avaliações de quem compra e vende, o que acaba, de certa forma, por chancelar a transação;
2. Trata-se efetivamente de uma opção mais económica do que a opção da compra de produtos novos, onde muitas vezes a qualidade do produto assim como a marca podem também ser uma incógnita. O aspeto económico é tanto mais importante quanto maior a qualidade do produto/marca que estiver a ser transacionado.
Por outro lado, os vendedores podem vender artigos que já não lhes interessam, acabando por contribuir para a economia circular. Não é por acaso que em várias cidades europeias existem imensas lojas que permitem, a quem tem elevada mobilidade, como é o caso de estudantes, comprar produtos diferentes para a cidade onde se mudam e evitarem elevados custos com mudanças complicadas. Da mesma forma, polulam nalgumas capitais lojas de gama alta que vendem autênticas raridades a preços controlados.
3. A compra e venda de produtos em segunda mão permite poupar recursos e por essa via proteger o ambiente. Ao usarmos menos recursos para produzir bens que são usados por mais pessoas, estamos a eliminar o uso desnecessário de novas matérias-primas e a contribuir para que, cada vez que isso é feito, seja feito para um uso mais eficiente e duradouro, dada a possibilidade de recurso à economia circular. Estes produtos conseguem por isso um ciclo de vida mais longo, ainda que seja nas mãos de diferentes compradores.
4. Ao transacionar um produto num mercado de segunda mão, é possível estender a vida útil de uma peça, permitindo-se assim que outra pessoa dela possa beneficiar – “o que para mim é velho ou aborrecido, para outra pessoa pode ser uma novidade!”.
Esta opção traz por isso também uma expiação da culpa associada ao consumismo desenfreado que caraterizou as últimas décadas e que levou a que muitas peças de fast fashion se acumulassem e contribuíssem para que a indústria da moda se transformasse numa das que tem presentemente maior pegada ambiental. A ilusão de se colocar o que já não se usa no contentor das roupas parece ilibar da responsabilidade que devemos ter pela nossa quota parte de degradação do ambiente. Assim, a culpa associada ao descarte de uma peça quando se sabe que essa peça vai ter um novo dono é muito menor.
5. Há um movimento Slow Fashion que tem angariado cada vez mais adeptos e que constitui uma motivação altamente priorizada por quem promove a moda sustentável. Este movimento vai ao encontro das preocupações, antes consideradas vanguardistas, mas hoje cada vez mais consideradas absolutamente razoáveis nos desideratos de se ter um guarda-roupa sustentável. E um guarda-roupa sustentável não se cria apenas comprando menos peças, mas também, substituindo as peças que já não interessam, por outras que outras pessoas já não querem.
Este movimento de troca cíclico está a ter um elevado protagonismo noutros países, como é o caso do Reino Unido, dando origem a um sistema de troca entre pares que continua a salvaguardar a identidade dos indivíduos na sua forma de se expressar pelo modo como se vestem e se mantêm atualizados, ainda que não necessariamente com peças novas. Estas são cada vez mais pessoas preocupadas com os materiais e processos usados na confeção das peças, tendendo a preferir algodão orgânico, tencel e cânhamo, materiais que não só são menos nocivos para o ambiente, como normalmente têm uma vida mais longa.
6. Um dos problemas normalmente associado à compra de produtos em segunda mão tem a ver com o risco de não se saber muito bem a condição do produto que está a ser comprado. Nas lojas físicas de segunda mão, há possibilidade de o consumidor entrar em contato com a própria peça, sendo que o processo de escolha pode até ser facilitado, dado que os produtos estão normalmente organizados por tamanhos e por cores.
Ainda a referir o facto de, no setor da moda, haver muitas vezes o retorno de peças que são consideradas antiquadas numa fase, e que voltam a estar na moda, mais à frente noutra fase, o que acaba por prolongar o tempo de vida útil de cada peça. O teste das múltiplas lavagens com certeza já deverá ter ocorrido, de maneira que se as roupas em segunda mão poderão vir a revelar problemas, como por exemplo ganharem borboto ou desbotarem, esses problemas estão, por esta altura, já bastante visíveis. O risco de surpresas desfavoráveis é, portanto, menor.
Há também cada vez uma maior preocupação com a higiene e condição dos produtos, assim como há a utilização de técnicas cada vez mais sofisticadas de merchandising. As lojas de roupa em segunda mão são também já em número bastante suficiente em Portugal, ainda que com uma distribuição bastante concentrada nas grandes metrópoles.
7. Um dos mais importantes pontos que favorece a compra em segunda mão tem a ver com a possibilidade de se encontrarem produtos únicos, considerados autênticas raridades, muitas vezes vendidos a preços extremamente competitivos. Assim, a chance de se encontrar alguém que usa um item exatamente igual ao nosso, é extremamente reduzida o que, mais uma vez, contribui para a afirmação do indivíduo, tão em voga nesta geração. Para além disso, a probabilidade de voltar a encontrar a mesma peça no outro lugar é muito baixa.
A venda de produtos considerados vintage (e eventualmente com um storytelling por detrás), é um dos pontos fulcrais neste negócio. Esta pressão pode levar insígnias normalmente produtoras de moda rápida a transformarem o seu modelo de negócio, equacionando simultaneamente a produção e venda de novo e usado e, quem sabe, antecipando alternativas de roupa com maior valor acrescentado e vida útil, ainda que com um custo unitário mais elevado.
Ao confrontarem-se com uma nova realidade, as empresas de fast fashion também poderão estar a contribuir para a construção de um guarda-roupa mais sustentável. É esta razão que tem levado a que algumas empresas de moda rápida tenham, paralelamente, produzido modelos de negócio, assentes na compra e venda de produtos usados.
Para além de ser uma atitude mais sustentável é também uma opção mais ética. Ao comprar produtos em segunda mão, o consumidor tem a consciência do poder estar a contribuir para a redução da sua pegada ambiental, permitindo a outros consumidores acederem a produtos que simplesmente já não lhe apetece usar e obtendo produtos a quem o interesse já não permite uma maior um maior número de utilizações.
Por outro lado, ao comprar produtos que têm o menor valor unitário, o consumidor pode estar a contribuir para simplificar a sua vida, uma vez que, dado que o produto tem uma vida útil mais elevada no caso de enjoar ou desfrutar da peça que comprou, poder voltar a colocá-la no mercado. E está ainda – numa grande parte dos casos, a contribuir para alimentar a economia local.