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Boeing 747: Continua nas nuvens meio século depois do primeiro voo

O transporte de carga surge como a nova oportunidade para o avião alcunhado de “Jumbo”. Após construir mais de 1500 aparelhos ao longo de cinco gerações, a Boeing não dá mostras de desistir do 747, modelo que se confunde com a história da empresa e da aviação comercial.
23 Fevereiro 2019, 08h00

Se a vida depois dos 50 anos já costuma ser complicada para todos, o que dizer de um avião que celebra amanhã meio século desde a  primeira descolagem? Embora seja provável que já não reste no ativo qualquer um dos Boeing 747-100 que revolucionaram a aviação comercial a 9 de fevereiro de 1969, recebendo a alcunha “Jumbo” pelas enormes dimensões que permitiam transportar mais passageiros e instalar no piso superior um lounge VIP na qual os felizardos da classe executiva ouviam tocar piano, a atual geração 747-8 dá mostras de procurar adaptar-se, uma vez mais, à evolução do mercado.

Tendo em conta que entre os 150 aparelhos encomendados ao gigante da aeronáutica norte-americana desde 2005 só 47 dizem respeito à versão para passageiros, a qual conta com a concorrência direta do_Airbus A380, o futuro do 747 parece sombrio. Mas a Boeing não desiste de encontrar soluções para o seu produto mais icónico. “Vemo-lo sobretudo como uma oportunidade de negócio para os VIP”, admitiu à ‘Business Insider’ Randy Tinseth, vice-presidente para o Marketing, e para perceber o tipo de clientes que procuram um jato privado com tamanho comprimento e envergadura basta recordar que a Casa Branca encomendou no ano passado dois 747-8 que irão substituir os VC25 (747-400 modificados) que transportam o presidente dos EUA desde o início dos anos 90. Os novos ‘Air Force One’ terão um custo de 3,9 mil milhões de dólares (3,4 mil milhões de euros), e além de muitas outras novidades no interior, serão entregues em dezembro de 2024 pintados de vermelho, azul e branco, por sugestão de Donald Trump – que só os poderá utilizar se for reeleito em 2020, pois nesse caso o sucessor só tomaria posse em janeiro de 2025.

Ainda que no longo prazo não haja boas notícias no segmento dos passageiros, pois as expectativas de mercado da Boeing apontam para que nos próximos 20 anos só haja necessidade para mais 60 aviões com as dimensões do 747-8 Intercontinental e do A380, os responsáveis pelo gigante da indústria aeronáutica norte-americana encontram motivos para algum otimismo. “O futuro do 747 reside no transporte de carga”, garantiu Randy Tinseth, esperando que boa parte da necessidade calculada de 980 aviões de carga nos próximos anos, em boa medida graças à explosão do comércio online de empresas como a Amazon e da Alibaba, venha a ser preenchida pelo modelo 747-8F, capaz de levar 137 toneladas a uma distância de 7630 quilómetros. Se a versão para passageiros não entusiasmou as principais companhias aéreas – a Lufthansa contrariou a regra, com 19 aparelhos, suplantando a Korean_Air (10) e a Air China (7) -, só a UPS encomendou 28 dos 103 modelos de carga.

Testemunha da História

Confirmando-se que as próximas décadas de vida do “Jumbo” dependem do transporte de carga cumpre-se um dos desígnios da equipa que o concebeu, nos distantes anos 60. A localização muito elevada do cockpit, acima das filas de cadeiras de passageiros, foi pensada de propósito para facilitar a colocação e retirada de contentores no interior do avião, estando esse plano B muito presente a partir do momento em que o supersónico Concorde, que levantou voo pela primeira vez um mês depois do Boeing 747, se impôs como alternativa mais rápida nas viagens intercontinentais.

Desenvolvido em tempo recorde graças ao contributo de 50 mil trabalhadores, e forçando a construção de uma fábrica de raiz, nos arredores de Seattle, o 747 nasceu numa conjuntura marcada pela redução das tarifas, pelo aumento pronunciado da procura de viagens e pela crescente sobrelotação nos aeroportos. Fazia sentido apostar num aparelho com capacidade para transportar de uma só vez um maior número de pessoas, pelo que o mítico presidente da Pan_Am, Juan Trippe, antecipou-se à concorrência, encomendando 25 novos modelos quase duas vezes maiores do que o Boeing 707 ou o_Douglas DC.

Sendo Trippe um grande defensor de um avião como o 747 para resolver o problema do congestionamento nas pistas dos aeroportos, coube à Pan Am o primeiro voo comercial da aeronave também alcunhada de “rainha dos céus”. Mas a ligação entre Nova Iorque a Londres, a 22 de Janeiro de 1970, quando o ‘pai espiritual’ do modelo já não estava à frente da companhia aérea, teve de ser adiada por um dia devido a problemas com um dos motores. Seguiram-se outras grandes transportadoras aéreas de todo o mundo, ainda que o elevado consumo de combustível – fator ainda mais importante devido à crise petrolífera de 1973 – implicasse que esse avião só se tornava rentável com lotações pouco menos que esgotadas.

Também a TAP juntou quatro 747-200 à sua frota em 1972, tendo ficado ligados a um dos momentos mais dramáticos da história recente de Portugal, quando as suas tripulações temeram que o desespero de quem fugia de Angola, na ponte aérea entre Luanda e Lisboa no verão de 1975, provocasse a queda desses aparelhos devido ao excesso de bagagem de quem se via forçado a deixar para trás uma vida inteira. Esses voos correram tão bem quanto seria possível, e o modelo da Boeing continuou ao transportar portugueses até 1984. Pior destino tiveram outros 61 Boeing 747, incluindo os dois que colidiram e protagonizaram o maior acidente da história da aviação comercial, em_Tenerife, aqueles que foram destruídos em atentados bombistas, e a vítima de um dos momentos mais tensos da fase final da Guerra Fria, quando a aviação soviética abateu um 747-200 da Korean_Airlines em 1983, matando 269 pessoas, por considerar que estava a violar o espaço aéreo em missão de espionagem.

Artigo publicado na edição nº 1975 de 8 de fevereiro do Jornal Económico

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