Poucos meses depois de assumir a presidência, Jair Bolsonaro decidiu que nos quartéis do Brasil o golpe militar de 31 de março – ou 1 de abril como habitualmente é referido – de 1964 deveria ter as comemorações devidas. Uma decisão que, como mostrou uma sondagem efetuada pela “Datafolha”, mereceu a concordância de apenas 36% dos inquiridos contra 57% que manifestaram o desejo de que a data não fosse comemorada.

A proposta de Bolsonaro, um antigo capitão, não causou surpresa, pois era conhecida a sua visão sobre o golpe. Uma visão altamente positiva e que exalta o período de 21 anos de tutela militar. Para Bolsonaro, não houve golpe de estado nem ditadura e os militares limitaram-se a garantir a autoridade necessária para terminar com o populismo de João Goulart. Um ato patriótico para evitar que o Brasil caísse na órbita marxista. Quanto à limitação das liberdades individuais, à censura, às perseguições, prisões e tortura perpetradas pelos militares, Bolsonaro resume-as numa palavra: “probleminhas”.

Um diminutivo nada inocente. Uma tentativa de esconder a realidade de uma ditadura que começou com a promessa do primeiro Presidente, o Marechal Castelo Branco, de respeitar a Constituição de 1946, a democracia, garantir o bem-estar social e promover reformas visando o desenvolvimento. Só que a ala militar radical não perdoou a manutenção inicial da liberdade de imprensa e a vitória da oposição nos principais Estados nas eleições de 1965. Os Atos Institucionais encarregaram-se de instaurar a nova ordem autoritária.

O sistema partidário passou a contar só com dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), enquanto representante do governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que representaria a oposição. Além disso, Ato Institucional n.º 3, estipulou a eleição indireta dos governadores dos Estados e a nomeação dos prefeitos das capitais pelos governadores.

Não pretendendo historiar todas as presidências militares da ditadura, não posso deixar de trazer à colação o período correspondente a Costa e Silva, um dos principais articuladores do golpe. Na realidade, foi sob Costa e Silva que a ditadura conheceu a fase mais acentuada devido à entrada em vigor do Ato Institucional nº5 que, ao contrário dos anteriores, não tinha prazo para expirar. Um Ato que viria a permitir ao Presidente encerrar temporariamente o Congresso. Um período durante o qual os direitos políticos foram suspensos, milhares de pessoas foram presas e um número considerável de funcionários públicos foi demitido ou obrigado a aposentar-se, sem contar que 110 deputados federais, 161 estaduais, 163 vereadores, 28 prefeitos e quatro ministros do STE foram afastados.

Costa e Silva não manteve qualquer ministro de Castelo Branco. Escolheu 16 novos ministros, oito dos quais militares. Não admirou, por isso, que, a exemplo do que se viria a passar um pouco por todo o subcontinente, os militares viessem a assumir vários papéis, marginalizando outros grupos de interesses. Uma realidade que mantém atualidade, como prova a composição do Governo de Bolsonaro.

O denominado milagre económico ocorrido durante a presidência de Emílio Médici e a amnistia negociada por Ernesto Geisel como contrapartida para encerrar a governação militar não podem fazer esquecer os crimes cometidos durante mais de duas décadas.

Para mágoa de Bolsonaro, a História escreve-se com atos. Não se reescreve com palavras fantasiosas.