Um veterano da cobertura noticiosa das lides europeias em Bruxelas contou-me, por alturas do referendo ao Brexit, uma história caricata. Entre 1989 e 1994, Boris Johnson foi correspondente do Daily Telegraph na capital belga e causava frequentemente o pânico entre os colegas.

O polémico conservador escrevia notícias exageradas (para não dizer outra coisa) sobre alegadas propostas europeias que demonstrariam a insanidade burocrática da máquina comunitária. O tamanho dos preservativos seriam limitados a 54 milímetros, os caixões (eurocaixões) teriam de ter todos o mesmo tamanho. Uma ‘unidade de polícia da banana’ ia ser criada para regular a forma do curvado fruto amarelo. ‘Euromitos’ como estes obrigavam os outros correspondentes a largar tudo e reagir aos pedidos dos editores para confirmar ou negar as histórias.

A história dos jornalistas que se movimentavam como baratas tontas em Bruxelas tem alguma piada, mas por outro lado perde a graça à luz do Brexit. Os exageros de Johnson causavam sensação no Reino Unido, fomentando o movimento eurocético que acabaria por triunfar no referendo em junho de 2016.

Johnson é posh e polémico, uma combinação que parece permitir qualquer tipo de mau comportamento na esfera política britânica. Apesar de ter sido despedido do The Times por inventar uma citação, de ter sido obrigado a pedir desculpa após acusar os adeptos do Liverpool de terem causado a tragédia de Hillsborough, a carreira política avançou.

Mas nem nessa nova carreira a mitomania atenuou. Durante a campanha do referendo, voltou ao tema da forma das bananas, acrescentando que a União Europeia quer impedir que sejam vendidas em mínimos de três.

Nada disto impediu que Johnson se tornasse mayor de Londres e tivesse um papel crucial na vitória do Leave, ou mesmo que chegasse a foreign secretary, o cargo mais alto na diplomacia britânica.

E agora, não vai barrar o caminho para 10 Downing Street. Johnson é o grande favorito na corrida na qual só resta Jeremy Hunt. A ‘team Boris’ já foi acusada de engendrar votação tática para eliminar alguns adversários. Até aí, nada de novo. Quem viu a House of Cards na versão original britânica ou a excelente Yes, Prime Minister está ciente das manobras elaboradas nas corridas às lideranças dos partidos britânicos.

O pior virá, no entanto, depois, se Johnson for escolhido para suceder a Theresa May. No caos que já é o Brexit, entrará um político imprevisível e com um historial que não inspira, vamos convir, muita confiança.

No debate entre os candidatos tories esta semana, Boris recusou-se a garantir que o Reino Unido irá mesmo sair da União Europeia a 31 de outubro, limitando-se a dizer que essa data é “iminentemente fazível”.

Qualquer atraso seria negativo para a União Europeia, que quer resolver a questão o quanto antes, mas penalizaria mais os britânicos, que vivem em modo ‘suspenso’ há três anos.

Além do timing há a questão da saída com ou sem acordo. Os líderes europeus disseram ontem que já perderam a paciência com o Reino Unido e rejeitaram um plano de Johnson para tentar aproveitar “as partes boas” do acordo proposto por May. mas sem o backstop, ou seja, a opção de último recurso que manteria a Irlanda do Norte na união alfandegária com a UE.

O caos já se intensificou e Boris ainda nem chegou a Downing Street. Voltando ao motif das séries, com Johnson no poder, a Great Britain vai caminhar para ser uma Little Britain.