À margem das declarações de George Glass, Embaixador dos EUA em Lisboa, houve palco para as declarações de soberania nacional dos mais diversos quadrantes políticos nacionais.

Da referência aos 900 anos de independência histórica, seguida de braços abertos ao investimento americano, pelo ministro Pedro Nuno Santos, à prevalência da vontade democraticamente eleita, reiterada pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, retém-se uma conclusão geral e outra particular: se o mundo tem novos(-velhos) muros que teimam erguidos, Portugal parece querer encontrar o melhor de ambos os lados da barricada, sentando-se no meio deles, tal como Humpty Dumpty sat on the wall

O ultimato colocado pelo Embaixador alerta-nos que o tempo em que era possível encontrar o middle ground findou e, com ele, toda a hipótese de ultrapassarmos incólumes o belicismo económico global disputado a duas bandeiras: Portugal tem que escolher uma ou haverá consequências, dixit. Tendo à cabeça o concurso de atribuição do 5G e a expansão do Porto de Sines, o nosso velho aliado transatlântico manifesta-se progressivamente intolerante ao livre arbítrio dos seus parceiros.

Já entre as relações bilaterais sino-portuguesas impera a tranquilidade de quem adere ao “respeito mútuo, consultas em pé de igualdade, e persistir no desenvolvimento pacífico e cooperação”, palavras de Xi Jinping na última visita a Portugal.

Na esteira de conturbadas eleições presidenciais, os EUA vivem no ápice de um abismo democrático demarcado pela falta de estrutura moral e de capacidade agregadora do seu actual timoneiro, não surpreendendo a predominância da agenda all or nothing at all – aqui demonstrada. A cooperação no domínio da segurança e da defesa parece esbatida desde a indiferença americana perante a Base das Lages, pelo que nem sempre se discerne plenamente a posição de Trump perante a NATO.

No âmbito das relações comerciais, os EUA são o maior parceiro de Portugal fora da UE, reflectindo-se no aumento das exportações desde 2016 (atingindo os 3.036,2 milhões em 2019) – ultrapassando em larga escala os números referentes às exportações para a China (609.1 milhões em 2019), conforme a PorData.

De Lisboa a Pequim vão mais de nove mil quilómetros de distância que se encurtaram com o tempo. Desde Jorge Álvares até à (inconsequente) takeover pela CTG à EDP, passando por múltiplos acordos estratégicos no âmbito comercial, cultural e diplomático, a relação sino-portuguesa funda-se em bases que se constroem contínua e progressivamente sob novas oportunidades e parcerias para o tecido empresarial português. Considerando o iminente leilão do 5G – adiado para o presente mês de Outubro com término previsto para Dezembro – resulta clara a entrada da Huawei no panorama das telecomunicações em Portugal, à semelhança do que já sucede noutros países como o Reino Unido.

Não obstante a posição da própria Comissão Europeia, marcadamente proteccionista, de que a Ericsson e a Nokia poderiam substituir a Huawei no fornecimento do 5G, Portugal parece não fechar portas a ninguém, nem parece abri-las por completo.

Esta posição assenta na nossa neutralidade nos trâmites da geopolítica mundial e deixa antever os brandos costumes de quem não toma partido, nem se compromete para agradar a chineses sem incomodar os norte-americanos, satisfazendo estes sem hostilizar aqueles. A nossa dependência externa não nos salva do extremismo destes dias sem meio-termo, nem há lugar no muro a salvo de uma great fall. Oxalá tenhamos mais sorte que Humpty Dumpty.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.