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Brasil: Herdeiro da crise escolhido na segunda volta

Próximo líder do Brasil vai herdar um país que passou de grande promessa económica para uma profunda crise.
20 Outubro 2018, 19h30

Brasil era, durante a última crise económica global, um país que prosperava. Uma esperança por entre a espiral de depressão do mundo. Agora, mais uma vez contracorrente, enquanto as economias globais expandem, o Brasil vive uma crise profunda. A esperança trazida pelo presidente Lula da Silva foi transformada num trauma que se acentuou com a sucessora Dilma Rousseff (ambos envolvidos em escândalos judiciais) e por uma oposição que não destoa. Prestes a ir às urnas, o país irá escolher o herdeiro da crise, que vai determinar os destinos económicos e financeiros numa altura de pressão sobre o real. O principal receio dos mercados e do Fundo Monetário Internacional (FMI) é que a escolha recaia sobre o candidato populista Jair Bolsonaro, que feche o país ao exterior e afaste investidores.

“Uma das grandes questões debatidas durante a campanha eleitoral tem sido como lidar com a economia brasileira, em dificuldades, cujo desempenho recente preocupou eleitores e investidores”, explicaram os analistas Enrique Díaz-Alvarez, Matthew Ryan e Roman Ziruk, da fintech cambial Ebury, numa nota sobre o real brasileiro.

Apesar de o Brasil ter conseguido, ao longo do ano passado, emergir de uma das recessões mais profundas no país em décadas (depois de a economia ter contraído em todos os trimestres durante dois anos consecutivos), o ritmo da recuperação tem sido lento. No segundo trimestre de 2018, a economia expandiu apenas 0,2%.

Por um lado, a incerteza em torno das eleições foi parcialmente culpada, mas houve outros fatores. A greve dos camionistas em todo o país reduziu a produção e o consumo das famílias estagnou nos últimos meses devido ao aumento dos preços. Ainda assim, a procura interna tem sido um impulsionado a economia, em parte devido à decisão do governo de permitir a saída de trabalhadores de um fundo de pensões que injetava 14 mil milhões de dólares na economia.

Os analistas da Ebury sublinham que o real tem estado entre as divisas mais frágeis na recente desvalorização nos mercados emergentes. “Esta moeda demonstrou estar particularmente vulnerável à incerteza política que culminará com as próximas eleições presidenciais no Brasil, que poderão vir a revelar-se uma das mais renhidas e mais fragmentadas da história brasileira. Isto levou o real brasileiro a sofrer uma nova baixa recorde em relação ao dólar norte-americano, em setembro, com a moeda a ser negociada mais de 20% abaixo dos níveis do ano, consideravelmente mais fraca do que as nossas previsões de longo prazo”, explicaram.

Enquanto o real cai, a bolsa brasileira Bovespa acumula um ganho de 6,80% desde o início do ano, mas as perspetivas são incertas. “Suspeitamos que qualquer recuperação de ativos locais, inclusivamente do real, poderá ter uma vida relativamente curta e ser caracterizada por uma natureza oportunista”, alertou Gustavo Rangel, economista-chefe do banco ING para a América Latina

Rangel sublinhou estar preocupado com a capacidade do novo governo aprovar as iniciativas urgentes de consolidação orçamental necessárias para voltar a ancorar as contas do Brasil. “Como resultado, 2019 pode se tornar outro ano agitado para os ativos locais, com a volatilidade em grande parte impulsionada pelas perspetivas ou aprovação de iniciativas de austeridade orçamental no Congresso”, afirmou.

O Estado brasileiro registou um défice de 14,4 mil milhões de reais (3,3 mil milhões de euros) no primeiro semestre do ano, o melhor resultado para o período desde 2015. Ainda assim, no acumulado dos 12 meses até junho, o setor público consolidado brasileiro acumulou um resultado negativo de 89,8 mil milhões de reais (20,5 mil milhões de euros), que representa 1,34% do Produto Interno Bruto (PIB).

A meta estabelecida pelo Governo neste ano é um défice público de até 161,3 mil milhões de reais (36,9 mil milhões de euros). A dívida bruta do setor público brasileiro alcançou em junho os 5,1 biliões de reais (1,1 biliões de euros), equivalente a 77,2% do PIB do país. O curso das contas públicas ficará dependente da escolha que os brasileiros fizerem, este domingo.

O consenso nos mercados é que os candidatos Fernando Haddad e Jair Bolsonaro vão passar a uma segunda volta eleitoral, sendo que o preferido (em termos de qual seria mais favorável para a economia e investimento) é o primeiro. “O pior cenário para o Brasil é não se abrir ao mundo, fechar a globalização que tem hoje e virar-se para si mesmo. Nesse aspecto poderia ser muito negativo para o Brasil este ressurgimento de partidos populistas”, afirmou André Themudo, head of sales para a Ibéria da BlackRock.

Foi também este o aviso que o FMI fez ao Brasil, em julho. A instituição liderada por Christine Lagarde teme que a falta de reformas estruturais e a incerteza política possam afastar investidores.

“Apesar da incerteza política, a saída líquida de investimentos diminuiu em 2017, após registar uma substancial subida em 2016. O diferencial de juros, ainda grande apesar do recente relaxamento monetário, o grande mercado interno e os buffers externos deverão ajudar a atrair fluxos de capitais”, notou. “No entanto, a rigidez do Orçamento, do setor bancário e dos mercados de trabalho e de bens, se não for enfrentada adequadamente, pode enfraquecer o interesse dos investidores”, alertou o FMI.

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