Os referendos estão na moda. Há para todos os gostos: sobre os tratados europeus; sobre o plano de resgate à Grécia; sobre direitos das minorias homossexuais; e sobre o acolhimento de refugiados. O referendo do Brexit é apenas mais um. Em 23 junho deste ano, 52% dos britânicos que foram às urnas – isto é, cerca de 37% dos Britânicos – decidiram que o Reino Unido deveria abandonar a União Europeia.
Parece-me extraordinário que se possa desvincular o Reino Unido da União Europeia sem uma maioria qualificada no Parlamento, com base num referendo cuja campanha foi demagogicamente centrada no tema da imigração e do terrorismo, depois da maior crise económica dos últimos 100 anos, depois da maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial e fazendo tábua rasa de 43 anos de história de integração Europeia e da opinião dos mais jovens, a quem o futuro pertence.
Quando tudo parecia estar perdido, o Brexit conheceu um feliz revés. Por implicar a alteração da ordem jurídica, o High Court decidiu – e muito bem – que o Brexit deveria ser votado no Parlamento. Estando ainda pendente uma decisão de recurso no Supreme Court, para já, a posição vigente vai no sentido de que os referendos não desresponsabilizam os governantes nem esvaziam os poderes e competências dos órgãos de soberania dos estados. Para muitos esta decisão parecerá antidemocrática. Porém, os estados de direito democráticos são muito mais do que a mera vontade de uma simples maioria – neste caso 37% dos Britânicos –, num determinado momento histórico.
À primeira vista, os referendos podem parecer o instrumento democrático por excelência. De facto, parece correto que se a democracia se baseia na vontade dos cidadãos, então essa vontade, desde que seja maioritária, deve estar certa. Mas será realmente assim? Pode uma maioria num referendo impor-se sobre uma minoria? Ou decidir sobre questões eminentemente técnicas, estratégicas ou reservadas à competência de outras instituições estaduais? É evidente que não!
Os Estados de direito democráticos vivem não só da vontade dos cidadãos, mas também da força das suas instituições, como os tribunais, os parlamentos, os governos, os bancos centrais, etc. Cada vez que subtraímos competências a estas instituições por referendo não estamos a ajudar a democracia, mas sim a enfraquecer o estado de direito e a trilhar o caminho para o populismo que, como explicam os manuais, são a antecâmara das ditaduras.
Acresce que, com o evoluir da ciência e da globalização, o mundo ficou mais complexo. É hoje cada vez mais difícil que os cidadãos tenham uma opinião informada acerca de temas da governação, pois cada área do saber tem ramificações técnicas cada vez mais profundas. Com exceção daquelas matérias eminentemente morais, onde são impossíveis consensos técnicos e políticos, as decisões de governação devem ser tomadas de forma racional nos órgãos próprios.
Esta moda dos referendos serve apenas os interesses de certos políticos oportunistas que, por falta de convicções e coragem, abandonaram o seu papel de mobilização e liderança da sociedade para serem meros seguidores de sondagens de ocasião. Sim, estou a falar de Cameron, entre outros.