Já começa a ser repetitivo (e minimalista) dizer que continuamos à espera de saber como vai afinal ser o Brexit. Neste momento estamos para ver que contributo os parlamentares britânicos vão dar para resolver a trapalhada que, primeiro Cameron e depois eles, criaram. A principal consequência do atual estado de coisas é dupla: por um lado, criou na população uma profunda descrença na classe política, que até já é acusada por alguns de sabotar a decisão do referendo; por outro lado, está provavelmente a reforçar o sentimento anti-União pela forma como entre nós se faz chacota da incapacidade dos britânicos se porem de acordo nos termos da saída.

Piers Morgan escreve que já a adoção do euro foi a melhor decisão que o Reino Unido não tomou e agora, sobre o Acordo proposto por May, diz que é tão mau que ela lhes prometeu demitir-se se for aprovado. Porém, a verdade é que está por demonstrar que há outro possível. Thomas Friedman descreve os ingleses como um povo determinado a suicidar-se economicamente, mas que não consegue pôr-se de acordo sobre como.

Estamos todos tão fartos do Brexit que nos recusaríamos sequer a falar dele não fosse ser uma coisa tão séria e de consequências tão importantes para as nossas vidas. Reconheço que é exasperante ver a forma como a União é tratada por muitos Brexiters, mas também é humilhante para os britânicos ver a condescendência com que o Reino Unido é tratado quando suplica por mais umas semanas para concluir um acordo de divórcio cujas divergências internas transformaram no conjunto vazio. Neste momento já não é só o Brexit que é incerto, é se vai haver eleições na velha Albion e até o que iria com elas acontecer ao Partido Conservador.

Tudo isto parece mais extraordinário quando os que logicamente deviam sair da União – a Hungria de Viktor Orban e a Polónia de Morawiecki – vão ambos muito mais longe nas críticas à União, ao funcionamento das suas instituições, às suas decisões, do que alguma vez foi o Reino Unido, para não falar no respeito pela Democracia e pelo Estado de Direito, que são uma impressão digital do projeto europeu. O Fidesz, partido de Orban, está para ser expulso do PPE, coisa que o deve ter incomodado tanto como a Trump ter sido avisado que se fechar a fronteira com o México, como ameaçou, os EUA ficarão sem abacates em três semanas.

É paradoxal como se triunfa hoje na União atacando aquilo que com ela se procurou criar, as características com que nasceu e que dão solidez à sua coesão interna. E é hoje mais fácil explorar a informação e manipular a opinião pública, e a capacidade de criticar fica refém do músculo político ou económico, particularmente devido à forma como lidámos com a crise económica e a demagogia favorecer os nacionalismos. Responder a isto é o maior desafio que temos pela frente, não o Brexit.