No passado dia 30 de janeiro o Reino Unido deixou de ser um Estado-membro da União Europeia, aplicando-se até ao final do presente ano um período de transição – passível de ser prorrogado por um período máximo de dois anos – em que o direito da União se mostra plenamente aplicável ao Reino Unido, incluindo, naturalmente as disposições fiscais.

Com efeito, nos termos do Artigo 127º, n.º 6 do Acordo de Saída, durante o período de transição as referências a Estados-Membros no direito da União, incluindo as disposições transpostas e aplicadas (o denominado direito secundário da União) entendem-se como incluindo o Reino Unido. Equivale isto a dizer que, genericamente, as disposições comunitárias em matéria fiscal – impostos diretos, indiretos e aduaneiro – continuam a aplicar-se durante o ano de 2020, período durante o qual serão negociados os acordos bilaterais sobre os termos da cooperação aprofundada entre a União e o Reino Unido.

Findo o período de transição, aplicar-se-ão as disposições dos acordos a celebrar, os normativos internos de cada Estado e em última instância as disposições dos Acordos de Dupla Tributação (ADT) em vigor, a Convenção Multilateral e as próprias orientações da OCDE em matéria de tributação prejudicial, o que limitará a liberdade do Reino Unido em estabelecer disposições fiscalmente agressivas, ainda que não esteja limitado pelos princípios comunitários, em particular o regime de auxílios de Estado.

De todo o modo, e salvo acordo em sentido diverso, as disposições sobre reinvestimento de habitação própria em sede de IRS, o regime de neutralidade fiscal em caso de reorganização empresarial, a transferência de sede de Portugal para o Reino Unido, a Diretiva sobre juros e royalties, ou a Diretiva Mães-Filhas deixarão de se mostrar aplicáveis nas relações com entidades sediadas no Reino Unido. Dito isto, importa, desde já, salientar que nos termos do Artigo 23º do ADT entre Portugal e o Reino Unido, os nacionais de um dos Estados não poderão estar sujeitos a tributação mais gravosa do que os nacionais do outro Estado que se encontrem na mesma situação, matéria que deverá merecer ampla atenção dos nossos tribunais e do legislador.

De salientar que o princípio da não discriminação tem sido objeto de amplo tratamento jurisprudencial por parte do TJUE em matéria de liberdades fundamentais do Tratado da União.

Chegados aqui, existe, contudo, um tema que não se mostra integralmente resolvido e que consiste nas disposições da lei fiscal interna portuguesa – ou seja regimes que não resultem da transposição ou aplicação do Direito da União – que fazem depender a sua aplicação (ou estendem unilateralmente o seu escopo) da residência na União Europeia. Pense-se, por exemplo, no regime de tributação de grupos de sociedades, em que se permite a inclusão no perímetro do RETGS sociedades residentes que sejam detidas direta ou indiretamente em pelo menos 75% por sociedades residentes na União Europeia (e do EEE).

Ora, desde logo, importa salientar que o Acordo de Saída apenas estende ao Reino Unido durante o período de transição as disposições do Direito da União – ou o direito nacional secundário em sua aplicação – e não por exemplo as disposições internas de um Estado que tenha alargado um regime interno por força de jurisprudência do TJUE, como é o caso desta disposição prevista no nº 5 do artigo 69º do CIRC, introduzida aquando da Reforma do IRC.

Para todos os efeitos jurídicos, o Reino Unido deixou de ser um Estado-Membro da União a partir de 30 de janeiro de 2020, pelo que se coloca a questão sobre a aplicabilidade desta e muitas outras disposições constantes da legislação interna portuguesa. Alguns Estados resolveram estas dúvidas interpretativas mediante a introdução na lei interna de disposições específicas a regular o período transitório de saída do Reino Unido, não se entendendo a razão pela qual estando em plena aprovação a Lei do OE para 2020 não se tenha aproveitado a ocasião para regular este tema. Resta aguardar por alguma orientação administrativa emitida pela AT, evitando-se mais litígios e incerteza na aplicação das disposições fiscais.

Por falar em OE/2020, não se entende o motivo pelo qual se criou um clima de incerteza em torno do regime de residente não habitual. A incerteza mata o investimento e mina a confiança de investidores, sendo lamentável que se possam criar entraves a um dos poucos instrumentos de captação de investimento internacional pela via fiscal.