Nesse longínquo 2016, ano quatro antes do bicho no novo calendário, 51,89% ficaram entediados com a viagem começada em 1973. Este resultado mais azedo que o vinagre que ornamenta a especialidade britânica, trouxe um divórcio litigioso, tão moroso e nada amoroso, que o casal alternou, sem alternativa. Theresa vs Jean-Claude e Boris vs Ursula criou um precedente, que um sistema continental não pode positivar.

Num longo e turbulento caminho, encurtado de Brexit, que encostou à berma e à solidão cada camião, ficou provado que, para uns, os outros vão sempre em contramão. Aqueles que conduzem diariamente a sua Coroa no lugar do pendura decidiram, no calor de uma discussão de trânsito, palavrear um buzinão e pendurar a evolução. Era tempo para regressar à sua terra batida, renegando estradas romanas e aquedutos cosmopolitas, tal como o seu humor aguçado parodiou – afinal “O que é que a União fez por nós?”.

Tanto fumo branco e muito nevoeiro de incerteza, que mancha o icónico canal, onde outrora tantos ficaram a dever tanto a tão poucos. Poucos foram, igualmente, os que agora decidiram o futuro de tantos à mesa. Numa tábua redonda de cavaleiros e cavalheiros com diferentes vestes, que ciclicamente regressavam à tabula rasa em incontáveis impasses de negociações.

Na ilha que não é utopia, parte dos súbditos aclamaram que um antiquíssimo país não precisa de Papas ou papás periféricos. Isto da soberania é tão puro e grosso como o sal de Gandhi, que a um imperial dito erudito não cabe recordar. Em terra de sua majestade, com um olho se é Rei: para quê uma visão ampla se podemos olhar numa só direção? “Orgulhosamente sós” – grita o galifão que nunca se entregou, e integrou, totalmente à relação.

Já no coração da Europa peacemaker os alarmes soaram e ficou claro: haveria que juntar a família e promover a União. Por todo o planeta muitos demoraram a despertar para os desafios de uma soberania popular. A vontade de um povo, nem sempre é o interesse da nação, mas respeitar a democracia é honrar uma decisão. Mensagens claras e simplicistas triunfam não só no país das sufragistas.

Em 31 de janeiro do abominado e nada abonado 2020, o Reino ainda Unido saiu de casa, sem decidir quem fica com a mobília. Com tempo, mas apressado, sai despenteado, alegrado com o que muitos gritam “Sim, Sr. Primeiro Ministro” – finalmente acabou esta temporada. Faltava neste festival um especial de Natal em que se abandonaria as trincheiras, para algo menos consensual que o ludopédio. Um pacto ensanguentado anglo-germânico, que espelha a divisão anacrónica de Versalhes.

O deal não é ideal; coube ao dealer dividir as fichas, sendo que ninguém consegue lucrar, apesar do bluff. O Erasmus não fica na rota, vem o Turing e mantém-se o enigma. Os números finais nem os melhores matemáticos podem prever, mas 4% do PIB deve cair, menos que os 6% se a guerra se mantivesse, pois Genebra é que iria vigorar com as normas da Organização Mundial do Comércio. O mercado não é livre, mas livrámo-nos de pior.

Em terra de bifes, o peixe era decisivo e foi conseguido. Está visto que sem visto não se permanece em longa duração. Sem reconhecimento certificado de graus académicos ou profissionais, mas certificação exigida para determinados produtos. Com taxas de roaming somos chamados à realidade, que muitos benefícios serão perdidos com o fim desta simbiose.

Uma nova era inicia-se na União Europeia, uma pequena Europa onde harmonização e coesão ditam a integração, frugal na burocratização e sua complexidade e fulcral na solidariedade e subsidiariedade. Uma sinergia de povos sóbrios e soberanos, que, de forma holística, melhoram a qualidade de vida do seu velho continente. Mais que um fantasma do passado, o Brexit é uma lição para o futuro. Enquanto este projeto tiver impacto visível e percetível no nosso quotidiano, será mais que um mero sonho profano. Um verdadeiro canal de desenvolvimento para os seus membros, 27 por agora.