Os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul), hoje alargados, com o cunho da sigla BRICS+, são presididos, durante 2025, pelo Brasil, um dos seus membros fundadores.
Notas breves
Desde o início, os BRICS têm vindo a funcionar como um bloco, espécie de “aliança”, com a finalidade de exercer pressão geopolítica forte, em defesa de interesses próprios centrados, sobretudo, nos domínios da economia e finanças, segundo três vertentes: promoção do desenvolvimento económico sustentado e inclusivo, aposta no desenvolvimento das trocas comerciais entre os seus membros e, designadamente, baterem-se contra o tipo de governação mundial que está no cerne da gestão das várias Instituições internacionais, ONU, BM, FMI, OMC, OMS, … enquanto veículos de defesa dos interesses estratégicos do Ocidente, sob o comando dos EUA.
Este funcionamento das Instituições prejudica seriamente os interesses dos BRICS que representam, hoje, quase 51% da população mundial e ligeiramente mais de 40% do PIB (dados do FMI) e da economia global no seu todo. Neste contexto, a grande proposta dos BRICS de alterações de fundo na estratégia e orgânica destes organismos internacionais colhe amplo apoio na generalidade dos países-membros do Sul global.
Os BRICS têm um funcionamento específico. Estabeleceram entre si uma espécie de “código de conduta”, como a não-interferência nos assuntos internos de cada um, a igualdade e o benefício mútuo e, desde a sua institucionalização oficial têm vindo a funcionar na base de Cimeiras anuais rotativas.
Quando se fala de funcionamento próprio significa que não houve um tratado assinado entre os primeiros-ministros ou chefes de estado dos países-membros. Assim, os BRICS não têm, por exemplo, sede própria, como a União Europeia. Cada ano são sediados no país que preside, embora algumas das suas entidades, como o Banco dos BRICS (NDB), naturalmente tenha sede fixa, em Xangai, presentemente dirigido por Dilma Rousseff, ex-presidente do Brasil.
Nas Cimeiras anuais, os BRICS analisam o seu papel no Mundo, debatem diferentes temas de interesse comum e tomam decisões, usualmente divulgadas, na declaração final.
Os BRICS e a tuberculose
Focando-nos na saúde – o alvo deste artigo de opinião – os BRICS têm vindo a desenvolver um vasto trabalho, com referências em quase todas as Cimeiras anuais.
Concretizando um pouco a rede de saúde constituída no seio dos BRICS. Em 2017, foi criada a Rede de Pesquisa em Tuberculose; em 2019, firmado um Memorando entre as Autoridades Reguladoras de Produtos Médicos; em 2022, o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Vacinas e, recentemente, estabelecidas e desenvolvidas formas de articulação entre os Institutos Nacionais de Saúde Pública.
Em 2025, sob a Presidência do governo brasileiro, realizou-se em Brasília, nos dias 14 e 15 de Maio, a reunião da Rede de Pesquisa em Tuberculose dos BRICS, onde houve lugar a profundas trocas de opinião sobre “o acelerar da eliminação da Tuberculose, por meio da inovação, desenvolvimento e avaliação de produtos, equipamentos de saúde, vacinas, medicamentos e plataformas de diagnóstico”. Também nos dias 29 e 30, de novo em Brasília no seminário “BRICS em Ascensão”, um encontro internacional, funcionou uma mesa sobre a saúde, de onde saiu reforçado o que os BRICS+ podem/devem fazer pela saúde no Mundo, no actual contexto geopolítico.
A reunião de 14 e 15 de Maio contou com a presença da Diretora do Programa Global para a Tuberculose da Organização Mundial da Saúde (OMS), Dra. Tereza Kasaeva, que informou sobre a grave situação que o Programa Global para a Tuberculose está a atravessar, devido ao corte de financiamentos às Instituições de saúde pelo Governo dos Estados Unidos. Disse ainda a Dra. Tereza Kasaeva que o referido corte de financiamento vem inviabilizar as acções de condução e a promoção das políticas globais de combate à Tuberculose no Mundo e que, nas últimas duas décadas, sob a coordenação deste Programa anti Tuberculose, as acções de prevenção, diagnóstico e tratamento salvaram a vida de cerca de 79 milhões de pessoas.
Referiu-se ainda que o corte do financiamento ao Programa põe em risco todo o esforço da OMS na redução da Tuberculose, ameaçando uma regressão dos avanços obtidos, nos últimos 20 anos. Também ficou a saber-se que metade dos casos de Tuberculose ocorrem no conjunto dos países BRICS+.
Segundo informação da Lusa de 20 de Maio 2025, o programa da OMS para o período 2026/27 foi aprovado em Genebra com um orçamento 21% abaixo do previsto, devido ao corte financeiro dos EUA, ficando assim reduzido a 4,2 mil milhões de dólares, o que vai afectar seriamente o tratamento desta doença no Mundo, “a doença infeciosa mais mortífera da actualidade” que, em 2024, ainda dizimou cerca de 1,2 milhões de vidas humanas.
Esta conjuntura redutiva no financiamento internacional e o risco de paralisação de estruturas importantes e estratégicas para o combate de emergências globais em saúde mereceu, dos países BRICS+, uma análise aprofundada.
Perante o cenário descrito na reunião de Brasília e que consta de forma mais desenvolvida em vários documentos consultáveis no site Brasil/ Brics/ Saúde, os países reunidos em torno dos BRICS+ analisaram as condições técnicas e financeiras de virem a preencher o vazio deixado na área da saúde internacional e assumirem a liderança e o compromisso ético e moral com a saúde das nações.
Pela informação disponível, as reuniões de Brasília mostraram-se muito promissoras e aguardamos que, na Cimeira final de Julho, no Rio de Janeiro, se traduzam em decisões importantes e, desta maneira, o papel dos BRICS se consubstancie em matéria decisiva para o mundo da saúde. Os BRICS+ mostram assim quão relevante poderá ser o seu desempenho, fora das áreas mais tradicionais da economia e sistema financeiro.
Mesmo que os EUA venham a rever a sua posição, o que seria uma excelente decisão, não se geraria qualquer incompatibilidade, pois a saúde mundial precisa cada vez mais de financiamentos, por múltiplas razões, entre elas, porque nem sempre os países respondem ao total dos montantes com que se comprometem.
Outra questão de fundo está na boa aplicação dos recursos, aqui e em todo o lado, sem excluir a parte empresarial. A gestão de fundos é algo muito importante e sensível: pode-se fazer sempre muito mais com o dinheiro disponível. Não se trata de uma crítica, mas de uma constatação e incentivo para uma melhoria continuada e adequada na aplicação dos fundos.
As expectativas são, assim, elevadas e certamente na Declaração Final da Cimeira do Rio vão constar decisões que, em muito, irão contribuir para o fortalecimento do papel e da capacidade dos BRICS no campo da saúde. Toda a gente sairá beneficiada e, na saúde, muitas vidas ainda mais se salvarão.