Voltei ao Barlavento para umas curtas férias porque preciso de praia e sobretudo do mar. Chegada a hora de jantar, a minha refeição principal, estava cheio de fome com os ares do mar e com o exercício dentro da água, quer nadando quer mexendo-me com a agitação da mesma.
Nunca como este ano tive tamanha decepção. Nem uma única vez comi uma refeição algarvia e se houve uma com esse nome, a única que pude encontrar numa ementa, lulinhas à algarvia, estas vieram para a mesa com as conchas internas e no molho, i.e., no azeite, havia uma folhas verdes inodoras que, pelo aspecto, pareciam coentros mas que não sabiam a nada, logo, eram congeladas. O mesmo para os dentes de alho. Sem sabor. Este fenómeno levou a minha memória para outro restaurante no Algarve, há alguns anos. Albufeira, Faro? Sei que era um restaurante típico e muito conhecido. Caí na asneira de perguntar à pessoa que me servia e que percebi ser o dono, se as lulinhas à algarvia eram feitas segundo a receita tradicional. Ui, o que eu fui dizer! “Meu caro senhor”, respondeu-me e continuou “esta receita era da minha avó que foi cozinheira aqui mesmo. Depois o restaurante passou para o meu pai e agora para mim. Ninguém mexeu na receita. É a mesma!” Se eu tivesse um buraquinho… Bom, as lulinhas eram como aquelas que eu tinha comido há muitos anos no Algarve e em criança na minha casa uma ou duas vezes; eram de arromba! Então, em cerca de quatro anos o brio desapareceu? Agora só se cozinha, como aqui em Lisboa aliás, peixe grelhado porque é rápido, para o turista e para o português desabituado de boa comida? No sítio onde estava havia restaurantes de peixe grelhado, pizzerias, restaurantes indianos que também vendiam fish and chips, cocktail bars com música ao vivo e isto para “bifes” na idade da reforma! Não, não tenho medo de lhes chamar “bifes”, é tradicional e eles chamam aos alemães “bosch”, aos franceses, “frogs”, e a nós todos do sul da Europa, “dagos”, muito pejorativo.
“Did you like your stay in the Algarve?” “Oh, ever so much! Lovely weather! And the people are very helpful. Of course they are dagos…” Desapareceu o nosso brio, não digo nacionalismo, coisa perigosa, por causa dos “bifes”? Vergamo-nos perante gente tão primária, por uns euritos, que eles não dão grandes gorjetas?!
Também, mas no Sotavento, aqui há uns anos, comi bem, tomatada, que para além de ser uma prato alentejano também a há à algarvia. Há tomatada e ovos escalfados com tomate. Pois agora, onde estive, nada disto. O meu princípio, que me parece ser universal, é que quem vai a um país como o que é de lá. Mas o que é isto de dar cá o que é de lá? Eles não comem? Comem, comem bifes ou então vão para Blackpool onde chove. Vá lá, uns ovos estrelados de manhã, isso ainda se pode fazer para qualquer um, inglês, norueguês ou holandês.
Para os primeiros com uma fatia de bacon que há à venda cá, ketchup na mesa, para os segundos, com um peixe fumado, que devia haver mais cá e para os terceiros com fatias de queijo português por cima dos ovos estrelados. Para todos, as belíssimas torradas portuguesas com manteiga, a acompanhar. Chá ou café. E, se faz favor, combatam a preguiça, chá no bule e este escaldado previamente. Sumo de laranja, o que eles quiserem mas sugiram espremido na hora. Ao almoço e ao jantar, se quiserem refeições completas, que comam carne ou peixe. Os “bifes” têm medo das espinhas e não conhecem talheres de peixe. Ouvi dizer que praticamente estes só vão à mesa do rei. Daí comerem o fish&chips, filetes, e é por causa das sextas-feiras. Eles acham-se o suprassumo porque lhes meteram na cabeça que o eram. É curioso porque aos franceses fizeram o mesmo e até a nós. Mas eles, com um vasto império, cujas origens não cabe aqui debater, são sobranceiros e na esmagadora maioria muito ignorantes porque assim cumprem os ditames de olharem para os outros como sendo bosch, frogs, dagos e por aí fora, sempre pior.
Falamos do brio. Em quatro ou cinco anos o que ainda existia foi-se. Descobrir a causa deste acontecimento logo em cima do mesmo será difícil. É a dicotomia entre a sociologia e a história. Se fizer uma tentativa neste momento, só pode ser sociológica, é claro. Creio que os portugueses estão a olhar para uma nova população ignorante e a descorar um passado não longínquo com algum valor.