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Bruxelas acusa Biden de “falta de lealdade e transparência” e exige explicações do pacto entre EUA, Austrália e Reino Unido

Charles Michel e von der Leyen consideram que existem “muitas perguntas por responder” depois de Joe Biden ter anunciado uma aliança entre a Austrália e o Reino Unido, tendo desfeito um acordo prévio entre a Austrália e a França sobre compra de submarinos. “Um dos nossos Estados-membros foi tratado de forma inaceitável, por isso queremos saber o que aconteceu e porquê”, frisou a presidente da Comissão Europeia.
21 Setembro 2021, 17h40

O executivo comunitário acusou a administração de Joe Biden de “deslealdade” quanto à aliança transatlântica, exigindo que se explicasse sobre o porquê de ter enganado França e outros parceiros europeus sobre o caso dos contratos de submarinos.

“Os princípios elementares para uma aliança são a lealdade e a transparência”, afirmou Charles Michel, esta segunda-feira, à margem da assembleia-geral da ONU que decorre, esta quarta-feira, em Nova Iorque. “Estamos a observar uma clara falta de transparência e lealdade”, frisou.

Joe Biden anunciou na noite da passada quarta-feira, 15 de setembro, uma parceria estratégica com o Reino Unido e a Austrália, desfazendo um acordo inicial entre a Austrália e a França sobre compra de submarinos. O pacto AUKUS tem como objetivo reforçar a cooperação trilateral entre Austrália, Reino Unido e Estados Unidos em tecnologias avançadas de defesa, como a inteligência artificial, sistemas submarinos e vigilância a longa distância.

O pacto visa enfrentar a República Popular da China na região Indo-Pacífico e constitui uma base para nucleares norte-americanos serem comprados pela Austrália, que saiu assim, unilateralmente e sem aviso prévio, de um acordo mais antigo com a França.

Por sua vez, a presidente da Comissão Europeia exprimiu o seu descontentamento face ao acordo, também exigindo que Joe Biden prestasse mais explicações sobre o pacto.

“Existem muitas perguntas por responder”, começou por dizer Ursula von der Leyen à “CNN”. “Um dos nossos Estados-membros foi tratado de forma inaceitável, por isso queremos saber o que aconteceu e porquê. Primeiro esclarece-se o sucedido e depois procede-se com os negócios”, frisou.

Enquanto Joe Biden não acrescenta mais nenhuma declaração ao pacto, sabe-se que os 27 Estados-membros vão reunir-se a 5 de outubro, na Eslovénia, por causa da cimeira dos Balcãs ocidentais, para discutir o tema.

Até lá, as tensões entre os Estados Unidos e a União Europeia voltam a subir de tom desde que Donald Trump perdeu o cargo de presidente. De acordo com o “Politico”, o próximo encontro entre Washington e Bruxelas, por causa do Conselho de Comércio e Tecnologia, em Pittsburgh, na próxima semana, poderá ser prejudicado uma vez que era uma oportunidade para reforçar as alianças entre os dois.

Michel insistiu que a rivalidade não deveria ser vista estritamente como uma questão de interesses económicos franceses, mas sim como parte de um padrão de desrespeito aos aliados europeus e os interesses dos quatro últimos presidentes dos EUA, a começar por George W. Bush quando decidiu travar a guerra no Iraque e no Afeganistão.

“Obama com carisma, muito polido, tomou decisões importantes na Síria com consequências negativas para a Europa, e pudemos observar também uma falta de coordenação entre os governos dos Estados Unidos e os europeus”, acrescentou Michel. “Pelo menos com Donald Trump era muito, muito claro que ele não era a favor da integração europeia. Que para ele a Europa não importava, era claro”.

Já Biden, continuou o presidente do Conselho Europeu, “falou muito sobre renovar os laços transatlânticos mas depois traiu os aliados europeus com a decisão de seguir o plano de Trump de retirar as tropas norte-americanas do Afeganistão”, e agora também com “com este anúncio estranho”.

De chegada à cidade de Nova Iorque, esta segunda-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Yves Le Drian, afirmou que todos os países da União Europeia deviam ficar preocupados com o desprezo que os EUA mostraram para com os seus aliados.

“Os europeus não devem ser rejeitados pela estratégia escolhida pelos Estados Unidos”, sublinhou Le Drian. “Estamos nesse novo estado de espírito, o que significa que os europeus precisam de identificar as suas próprias questões estratégicas e ter uma discussão com os Estados Unidos sobre o assunto”.

Da parte de França, estas foram as únicas reações ao assunto uma vez que Emmanuel Macron permanece em silêncio. E apesar de Charles Michel e von der Leyen terem reconhecido a gravidade neste acordo, fontes do executivo comunitário expressaram preocupação ao “Politico” de que a França pode estar a arrastar o resto do continente para uma luta desnecessária, em grande parte porque seu próprio ego nacional ficou ferido.

“O que é preocupante é que Paris está a reagir a algo que foi essencialmente um acordo comercial bilateral como um golpe contra a União Europeia”, referiu um funcionário ao jornal. “Eu entendo que Paris tenha ficado ofendido e apanhado de surpresa, mas a sério?”.

Já uma segunda fonte ecoou a mesma preocupação, frisando que o problema “deve ser visto principalmente como uma questão bilateral, não europeia.”

Portugal expressa solidariedade com França

O ministro dos Negócios Estrangeiros português disse esta terça-feira à agência Lusa que a Austrália “furou compromissos” com a França, numa decisão “bastante discutível”, acrescentando que Portugal já transmitiu solidariedade ao país europeu.

Augusto Santos Silva referiu, no final de uma reunião informal de ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, em Nova Iorque, que o bloco europeu assumiu uma posição comum de solidariedade com a França, após a aliança trilateral entre Austrália, Reino Unido e Estados Unidos, AUKUS ter desfeito um acordo prévio entre Austrália e França sobre compra de submarinos.

“Na generalidade, nós próprios exprimimos a nossa solidariedade com a França, que de facto não foi tratada com o respeito devido neste processo”, disse o ministro português, acrescentando que “manifestamente, a forma não foi aquela que devia ser ter sido seguida”.

“Em relação ao conteúdo, também, a Austrália tomou uma decisão bastante discutível”, acrescentou o chefe da diplomacia portuguesa, frisando ser “muito importante que os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Europeia estejam o mais possível alinhados nas suas estratégias para o Indo-Pacífico. E por isso devemos todos evitar gestos que perturbem essa unidade”, declarou o ministro português.

 

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