O que parece ser uma situação “normal” acabou por ser uma oportunidade para identificar três áreas em que a burocracia e a falta de investimento penalizam os agentes do Estado e, principalmente, os cidadãos.
Em primeiro lugar, a ocorrência teria sido evitada se o condutor tivesse procedido à renovação do documento, o que pode facilmente ser feito online em virtude das melhorias significativas já alcançadas nesta área. Essas melhorias incluem a possibilidade de o cidadão transmitir ao IMT os dados de identificação, fotografia e assinatura que constam no cartão de cidadão. No entanto, numa ótica de experiência do cidadão e de segurança rodoviária, teria sido possível alertar o cidadão no momento em que atualizou esses dados, ou notificá-lo da iminência da caducidade do documento, ou alertá-lo regularmente de que já tinha ultrapassado o prazo para renovação.
Em segundo lugar, no momento da ocorrência o agente da autoridade vê-se forçado a preencher o auto e a registar o recebimento da multa manualmente, preenchendo formulários à mão, com duplicados de reduzida legibilidade. O tempo empregue neste processo é tempo perdido para o agente e para o condutor, com o risco de situações bem mais graves para a segurança rodoviária não serem detetadas. Atendendo a que estes elementos irão provavelmente alimentar algum sistema de controlo a jusante, os dados recolhidos serão provavelmente alimentados manualmente num sistema de informação, com nova perda de tempo e eventuais erros no tratamento de dados. Assim como é útil que o pagamento da multa se faça num terminal de pagamento automático, com toda a tecnologia disponível para recolha e tratamento de dados a partir dos documentos de identificação, seria claramente benéfico o investimento que desse às forças da autoridade mais eficácia neste tipo de situação, libertando meios afetos a trabalho administrativo para a sua missão principal.
Finalmente, a reposição da legalidade, no caso de um condutor que deixou passar mais de dois anos desde o momento em que devia ter renovado a sua carta de condução, exige a emissão de uma guia pelo IMT, antes de poder voltar a conduzir e a fazer o teste exigido por Lei. A emissão da guia, numa entidade que já tem processos digitais implementados, demorou mais de um mês.
Este caso ilustra algumas das muitas oportunidades que ainda existem para eliminar burocracia, melhorar a experiência do cidadão e melhorar a eficácia dos serviços públicos. Numa situação em que a responsabilidade de incumprimento é claramente do cidadão, uma eficaz digitalização de processos não só teria permitido prevenir a situação como teria evitado que a “pena” pelo incumprimento correspondesse, para além da multa, a mais de um mês de impedimento de conduzir.
Um processo de transformação digital deve ser exaustivo e holístico, não se limitando a alguns processos críticos correndo-se o risco de não se materializar a total extensão dos benefícios. Uma abordagem de Modernização de Processos de Negócio (Business Process Modernization), aplicada na ótica do Estado, deve ser alargada a todos os processos de uma organização assim como da Administração Pública como um todo, promovendo uma utilização eficiente dos recursos humanos e, acima de tudo, assegurando consistência e qualidade em todos os pontos de contacto com o cidadão.