Portugal é, definitivamente, um país de brandos costumes. Num período em que a CGD, a nossa instituição financeira de referência, foi “resgatada” pelo Estado, depois de anos e anos de políticas de gestão laxistas que a conduziram à beira do precipício, em que o Novo Banco, resultante da implosão do grande Espírito Santo, foi “doado” ao Lone Star, em que os primeiros dados orçamentais teimam em ser negativos, em que a dívida pública não para de aumentar, atingindo uns assustadores 243 mil milhões de euros, em que os dois partidos que se opõem à geringonça (PSD e CDS) não se entendem quanto ao candidato autárquico na capital, abrindo caminho à vitória de Fernando Medina, os portugueses dedicam-se, afanosamente, a discutir a (im)perfeição do busto de Cristiano Ronaldo, com que Emanuel Santos, recentemente projetado para as luzes da ribalta, decidiu presentear o astro português na cerimónia de inauguração do seu aeroporto e a bárbara agressão com que Marco Gonçalves, “futepugilista” do Clube de Futebol Canelas 2010, decidiu brindar o árbitro José Rodrigues.

É só ligar o televisor ou folhear os jornais, já para não falar das redes sociais, para sermos presenteados com discussões infindáveis sobre a obra-prima de Emanuel Santos, que agora aparece diariamente nos media a defender vigorosamente a sua veia artística e a desvalorizar o AVC sofrido por Ronaldo na passagem a bronze da escultura, ao mesmo tempo que se entrevista o amnésico Marco Gonçalves, que diz não se lembrar de o seu joelho ter subido cerca de um metro para estilhaçar o nariz de José Rodrigues.

Quando vemos a importância que se confere a estes temas, não que o segundo não mereça uma cuidada reflexão, uma vez que a violência no desporto é, inquestionavelmente, um assunto relevante e preocupante, não podemos deixar de nos lembrar dos escritos de Eça de Queirós que, como ninguém, satirizava o povo português e as suas grandes preocupações.

Que o futebol é o ópio do povo ninguém tem dúvidas. Basta ver as inúmeras horas gastas a discutir o fenómeno em quase todas as televisões, com o tempo de antena dado a um conjunto de ex-jogadores, treinadores, jornalistas ou apenas curiosos que discorrem semanalmente sobre tudo o que envolve o espetáculo futebolístico, tornando-se verdadeiros opinion makers, quase cientistas da bola.

O que é triste é que um país repleto de problemas, com tanto que fazer para conseguir singrar num mundo cada vez mais competitivo, perca demasiado tempo com debates maioritariamente estéreis, secundarizando por completo discussões que deveriam imperativamente ser realizadas e das quais depende, em larga medida, o futuro dos portugueses e desta nação milenar. Continuamos a perder tempo excessivo com bustos e caneladas.