Do resultado das eleições americanas pode dizer-se o que Gosciny e Uderzo diziam da aldeia gaulesa: “toda a América está dominada por Trump? Não. Uma pequena aldeia resiste ainda e sempre”. A aldeia é Jerome Powell e a Reserva Federal (Fed). A diferença é que só resistirá até 15 de maio de 2026, quando terminar o segundo mandato, como afirmou dia 7.
Sabemos que não será Matt Gaetz a substitui-lo porque foi escolhido para Procurador-geral, equivalente a ministro da Justiça, mais surpreendente do que se fosse indigitado para o lugar de Powell: esta quarta-feira o comité de ética da House reúne(iu) para discutir o relatório elaborado sobre o seu alegado envolvimento em crimes sexuais, consumo de drogas e corrupção, mas espera-se que se conclua pela não divulgação deste relatório com o argumento de que ele deixou de ser deputado dia 14, ou seja, é como não o acusar porque deixou de morar no bairro.
Os próximos tempos são complicados para Powell. No final do seu primeiro mandato, Trump pressionou-o para descer a taxa de juro, que Powell recusou. Em 2019 “tweetou” sobre ele e a Fed “no ‘guts,’ no sense, no vision!”, e tratou os Governadores por boneheads. Agora Trump anunciou deportações em massa e aumentos de tarifas até 30%, que só podem provocar inflação, pondo em causa novas reduções da taxa de juro pela Fed, o que vai irritar Trump. Mau para Powell.
Mas a vitória de Trump na House não é tão sólida como se pensou. Hoje há 220 deputados republicanos, 213 democratas, e dois lugares vagos – um por falecimento, Gaetz por renúncia. A atual contagem vai em 218 contra 212, faltando eleger cinco: dois com republicanos à frente, dois com democratas e um com 36 votos de diferença e milhares por contar. Podemos acabar com um resultado tão dividido como hoje, o que torna o Grand Old Party vulnerável a mais que as eleições de midterm.
Na House as regras de preenchimento de vacaturas impõem uma nova eleição. Com uma maioria de meia dúzia de deputados, um pedido de exoneração, uma exoneração ou propostas tentadoras de empresas privadas podem pôr em causa o controlo da Câmara.
É também interessante ver se Gaetz é confirmado pelo Senado, depois de ele ter sido o troll de serviço sobre deputados e senadores republicanos, os mesmos senadores a quem vai pedir que votem nele. Isto sem contar com as trapalhadas que vão arranjar Kennedy Jr., a amortizar por Trump em dois anos, e o ego de Musk, com potencial de se incompatibilizar com todo o Gabinete. Powell vai ter tempo para respirar. Ou talvez não.