Com o Natal dos hospitais já a preencher as grelhas televisivas, eis que a saúde em Portugal é notícia pelo pior dos motivos. Não que algum vírus mortífero tenha assolado o país, mas porque há vampiros a vaguear em terras lusas. Ávidos de sangue, estes personagens saltaram da tela para a realidade e travestiram-se de reputados profissionais das áreas da saúde, da advocacia e do mundo empresarial. Parentes afastados do Conde Drácula, apesar das investigações ainda estarem a decorrer, não conseguem disfarçar o fiozinho de sangue que ainda lhes escorre por terem abocanhado o plasma de mais de 500 mil bem-intencionados dadores. O espírito altruísta destes benfeitores, que se predispuseram a dar parte do seu líquido mais precioso, contrasta com a ganância daqueles que encheram não as veias, mas os seus cofres e contas bancárias.

Chamam-lhe “economia negra”, mas de escura ela não tem nada. É vermelho vivo para os olhos dos sôfregos que conseguem viver com a certeza de que nos prejudicaram a todos em mais de, acredita o Ministério Público, 100 milhões de euros! Infeliz é o nome de código desta investigação: “O – Negativo” é considerado o tipo de sangue universal e quem tem este tipo de sangue só pode receber de poucos, mas dá a muitos. Ora, as pessoas envolvidas nesta operação receberam de muitos e dela sobrou para muito poucos.

Ainda se apura o envolvimento do antigo presidente do INEM e da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Luís Cunha Ribeiro, na atribuição, por concurso (do qual este integrava o júri de 14 pessoas), do mercado de plasma humano inativado e no fornecimento de derivados do sangue a várias instituições e serviços do Serviço Nacional de Saúde, à empresa suíça Octapharma, gerida em Portugal por Lalanda de Castro. Podemos achar que ouvimos já este nome associado a “prémios”, mas será pura confusão com o musical romântico que lidera a corrida aos globos de ouro com 7 nomeações, “La la land”.

Por cá, a música é outra e Paulo Lalanda de Castro é uma “estrela” bem conhecida das autoridades portuguesas que o investigam também no âmbito da “Operação Marquês” e dos “vistos gold” e ficou conhecido do grande público por ter dado emprego como consultor a José Sócrates. No âmbito do negócio sanguíneo, Lalanda está a ser acusado de ter corrompido Cunha Ribeiro, para que este assegurasse o monopólio da venda do plasma inativado em Portugal à empresa suíça. Apesar das muitas censuras de que é alvo, congratulo os corpos sociais da Octopharma pela transparência na adoção do nome escolhido: “octopus” é um género de molusco, “polvo” para os amigos, que simboliza a inteligência através da sua desproporcionada cabeça e a “maleabilidade para se agarrar a várias oportunidades” através dos seus muitos tentáculos, distribuídos por vários “braços” que tudo “agarram”.

Há vozes que acusam a Octopharma de ter conseguido o monopólio do sangue em Portugal porque o caderno de encargos lhe servia como uma luva (quem terá tricotado esta luva, ou melhor, quem redigiu o caderno de encargos?) – mas se era uma luva de tentáculos e não de dedos, compreende-se que só esta empresa a tenha conseguido calçar. Ainda não se chegou lá, mas havemos de perceber como é que a tentacular voracidade da Octopharma conseguiu convencer quase todos os hospitais nacionais a comprar as suas bolsitas de sangue, um tudo-nada mais caras (uma “parca” diferença de 19 euros, de 89 euros para 70 euros), em vez dos pacotes ‘low cost’ de sangue oferecido pelos mais abnegados portugueses e tratado com rigor (espera-se) pelo Instituto Português do Sangue e Transplantação.

Numa decisão de elevada congruência, Portugal deita ao lixo plasma recolhido destes benévolos portugueses e “prefere” comprar à Octopharma, por milhões de euros por ano, sangue vindo do estrangeiro e recolhido em dadores pagos.  É a mania de achar que aquilo que é mais caro é melhor! Ao todo, a Octopharma recebe 7 milhões em plasma inativado e 67 milhões em hemoderivados – que são uma espécie de barritas para os vampiros, e uns muito importantes medicamentos feitos a partir do plasma para outros, os doentes.

Que a recolha de bens de primeira necessidade nem sempre vá parar aos mais necessitados, ainda estamos como o outro – todas as casas sejam elas em Cascais, Estoril ou Amadora precisam de farinha, arroz e azeite –, mas não estou a ver como podem os funcionários do IPST encontrar utilidade em levar para casa e dar aos amigos um cartucho ou outro de plasma… Apesar de não encontrar neste tema nada de bonito, não consigo deixar de pensar no nome “beleza”, mas não vou arriscar nenhuma piada sobre sangue ou contaminações de laboratórios, embora muitos afirmem que é arriscado ter o sangue nas “mãos” (ou “tentáculos”) de um só fornecedor em casos de guerra ou contaminação.

Numa semana em que o “crime de sangue” ganhou um novo significado, admiro, sobretudo, a confiança de Lalanda, que terá dito em entrevista a uma jornalista que para ele seria igual vender os seus produtos ou fracionar o plasma português. Quando existem 88 fracionadoras de sangue a nível mundial, como pode este empresário ter tanta certeza que vai ser a Octopharma a fracionar o sangue português? Estaremos perante mais um polvo adivinho que veio para substituir o defunto Paul?