O que têm os conflitos em Cabo Delgado e em Moçambique em comum com a crise climática? Muito, e em demasia. As narrativas têm-se cingido a uma tragédia num lugar remoto com agressões bárbaras e vítimas trágicas – desde centenas de mortes a mais de meio milhão de deslocados. Estes elementos são reais, no entanto, falta referir o elefante na sala: as petrolíferas.
É ao largo da costa da província de Cabo Delgado que se encontram três projetos para a exploração de gás fóssil. Na Área 4, na bacia do Rovuma, estão os colossos petrolíferos como a Exxon Mobil, a Eni e a portuguesa Galp.
Desde a descoberta de gás fóssil em 2010, as multinacionais tomaram conta da zona. Mais de 550 famílias foram afugentadas dos terrenos e das águas piscatórias que garantiam o seu sustento. Os deslocados passaram a assistir à tomada das suas vidas pelas multinacionais, e o governo moçambicano a priorizar o interesse destas face ao da população.
Foi antes dos grandes ataques jiadistas dominarem a narrativa que jornalistas foram silenciados. Quando o foco das notícias era a cumplicidade das petrolíferas com o governo, vários jornalistas moçambicanos pagaram com a vida.
Moçambique não é caso único no que toca à destruição de vidas locais causada pelas explorações de combustíveis fósseis nem à miséria posterior que torna o terreno fértil à violência. Disso é a Nigéria exemplo, com a situação a alargar-se há décadas, chegando mesmo a Shell a ser condenada à compensação dos agricultores.
O pano de fundo desta miséria é o capitalismo fóssil. Sempre ansioso em extrair mais recursos, por regra nos países mais pobres, para vender nos mais ricos. Apesar da independência política alcançada pelos países do sul global, a dependência económica não cessou. É o produto histórico de mais de um século de exploração e de privação de recursos, assente na assimetria entre os países dominantes e os periféricos.
Cingir a narrativa a militantes do Estado Islâmico sanguinários é conveniente para atores que ao longo dos anos apostaram no projeto de gás fóssil. Esvazia a discussão, varre para debaixo do tapete os danos sociais dos negócios. É mais uma instância da perpetuação da narrativa colonial, visando ilustrar os menos desenvolvidos como incapazes de se governar e que, se deixados aos seus meios, naturalmente caem na selvajaria e na violência.
Recordemos que são combustíveis fósseis o que se ambiciona explorar em Moçambique, os tais cujas emissões produzem o caos climático. Desde há muito que o capitalismo fóssil não hesita perante o sofrimento alheio, seria ingenuidade assumir que o faria agora. Quer o custo dos lucros seja a destruição imediata do sustento dos moçambicanos ou um mundo digno para toda a humanidade, este tentará explorar combustíveis.
E são países como Moçambique que estão na linha da frente dos efeitos nefastos das alterações climáticas. Há dois anos, o ciclone Idai – tipo de fenómeno cuja intensidade se tem acentuado devido às alterações climáticas – destruiu cerca de 80% das habitações da cidade da Beira. Este pode ter sido o prelúdio de um futuro em que catástrofes desta ordem são regra sob o caos climático.
Um futuro com um clima inóspito, sequências de catástrofes naturais e crises alimentares onde os países do sul global são mais os afetados devido à sua posição geográfica, e onde as sociedades estão menos preparadas para mitigar calamidades. Um futuro onde o a hostilidade e a violência germinam no terreno fértil do flagelo climático.