Um pequeno arquipélago situado na costa oeste de África, com cerca de 500 mil habitantes, pode ter ambições de se tornar um centro tecnológico de referência no continente africano? Esta é a pergunta que sei que está sempre no pensamento de quem ouve a nossa ambição. “Size doesn’t matter anymore”, e África é o continente do Futuro no que toca ao digital.
Em 2022, segundo o African Tech Startups Funding Report, as startups africanas conseguiram mobilizar 3.3 mil milhões de dólares, e um relatório divulgado pela Google/IFC estima que a economia da Internet em África tem o potencial de dar um contributo extra de 180 mil milhões de dólares ao PIB do Continente em 2025.
O investimento está a subir e há um potencial enorme. Porquê? África é o continente com a população mais jovem do mundo, com uma idade média de 18 anos. Comparativamente, a idade média em Portugal é de 46,8. São os jovens que criam e consomem mais tecnologia. Além disso, estamos a falar de um continente onde a sua população não está mais disposta a esperar eternamente pela melhoria das suas condições de vida. É necessário um “leapfrogging”, um salto de rã, com vista a grandes transformações, e isso só será possível com estratégias inovadoras e tecnologia.
Se por esta altura, poderão estar um pouco menos céticos em relação ao potencial do continente africano, talvez ainda estejam algo céticos no que se refere a um pequeno país que depende muito do turismo e das remessas dos seus emigrantes. A esse ceticismo compreensível, penso numa frase de um Embaixador Americano em Cabo Verde, que dizia, que “o sucesso de Cabo Verde passa pela teimosia de dar passos maiores que as suas pernas”, audácia misturada com um atrevimento de quem é pequeno, mas tem sonhos grandes.
Cabo Verde sempre soube apostar no seu capital humano e valorizar a sua estabilidade política, económica e a sua segurança, valores fundamentais para atingir os lugares cimeiros que colocam o país no topo dos rankings de desenvolvimento no continente africano.
Contudo, os novos tempos exigem mais, e o país e a sua liderança política têm essa consciência. A economia digital tem sido aliás, destaque no discurso do primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, que tem elevado a bandeira do digital – ainda recentemente, foi o único líder político africano a ser convidado a discursar no WebSummit Rio de Janeiro – e a dividir com a transição energética e a economia marítima, uma centralidade que está expressa no Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável 2022-2026 (PEDS II) do País.
Temos o objetivo de manter o nosso talento, atrair talento da nossa diáspora – “Bright minds time to return” (estima-se que seja mais do dobro da população residente) – e atrair talento do mundo para Cabo Verde através de programas como o remote working para nómadas digitais. E queremos também aproveitar o talento que é desperdiçado em vários países do nosso continente devido à instabilidade política e social.
Quem não quer viver num país seguro, com condições fiscais atrativas para quem está no digital? Com 29º o ano inteiro, praias fantásticas, um ambiente acolhedor, uma vibrante animação cultural, e um onde as pessoas podem celebrar a sua identidade, independentemente da sua orientação sexual, cor de pele, origem ou religião.
Cabo Verde é a porta de entrada para o continente do futuro, África, mas queremos igualmente fazer a ponte entre diferentes continentes, aproveitando a nossa posição central no Atlântico.
Nas infraestruturas, estamos a finalizar a construção de um parque tecnológico para servir não só o nosso país, como um parque central de tecnologia da nossa sub-região. Terá uma zona económica especial tecnológica (ZEET) com condições fiscais e parafiscais atraentes. Reforçámos a nossa conetividade através do cabo submarino EllaLink, de fibra ótica, de última geração. Em Cabo Verde, a taxa de penetração da internet ultrapassa os 80%, o dobro da média africana, e 20% acima da média mundial. O 4G cobre mais de 80% da população, e o 5G está prestes a chegar. Só faz sentido existir estrada (infraestrutura) se existirem veículos (talento).
Começámos a ensinar a língua da internet (inglês) a partir do 5º ano, colocámos o projeto Weblab em todas as escolas secundárias, onde mais de 20 mil crianças já aprenderam princípios de robótica, programação e outras competências digitais. Criámos programas de reconversão de jovens desempregados em programadores e estamos a operacionalizar formações e certificações para a empregabilidade do nosso talento, em parceria com importantes players internacionais do setor privado (PriceWaterHouse Coopers, Huawei, Microsoft, Bravantic, VisionWare).
Dou o exemplo concreto da VisionWare, uma empresa portuguesa de cibersegurança, que neste momento já tem 30 colaboradores na cidade da Praia, e quer recrutar ainda este ano mais 30 talentos, abrindo também um pólo em São Vicente para um centro de análise de ciberameaças à segurança mundial. Trabalham para o mundo a partir de Cabo Verde e com talento nacional. Sempre que isso acontece, sabemos que estamos no bom caminho.
A melhor forma de sentir a temperatura do nosso ecossistema é quando vemos jovens talentos a formar empresas tech e empresas internacionais que se estabelecem no nosso país e recrutam talento nacional. A Bolsa Cabo Verde Digital, já apoiou cerca de 200 jovens na criação da sua startup de base tecnológica (apoio financeiro + mentoria), com o GoGlobal, que tem permitido aos nossos jovens participar em eventos internacionais (WebSummit em Lisboa, Collision em Toronto, WebSummit no Rio de Janeiro, Africa Innovation Summit no Ruanda) que servem como palco e local para fecho de parcerias com os melhores e outros programas que têm criado uma comunidade (www.digital.cv).
Já está menos cético? Vamos então aos rankings internacionais: no GovTech Maturity Index, Cabo Verde ocupa o 1º lugar no continente africano. No ranking da ITU Infraestrutura TIC, ocupamos o 4º lugar no continente. Subimos 2 lugares no ranking da Startup Blink, que nos posicionou em 2º lugar na região da África Ocidental e em 1º lugar nos PALOP. Somos referência de E-Gov em África, pelo trabalho exemplar que a NOSi, uma entidade pública empresarial focada no desenvolvimento da Governação Digital do nosso país, tem feito. Estamos a criar condições para ser referência também no setor privado, permitindo que as nossas startups exportem os seus produtos/serviços e que empresas internacionais tenham sucesso com o talento recrutado em Cabo Verde.
Temos desafios, mas sabemos bem onde queremos chegar e estamos a trabalhar para alcançar esses objetivos. Definimos políticas públicas e colocamos recursos de forma corajosa neste setor, acompanhando a vontade dos cabo-verdianos de ter uma vida melhor através do digital. Chegou a hora de potenciar o posicionamento estratégico e o capital humano de Cabo Verde a favor do país. Não seja cético, a inteligência artificial através do ChatGPT diz que é possível, nós acreditamos e estamos prontos. Cabo Verde é mar, é música, é amor, é talento, e é também, Digital.