Portugal está no radar do investimento mundial na cadeia de valor da canábis medicinal, possuindo excelentes condições para se tornar um hub europeu nesta indústria.
O uso de canábis medicinal teve origem no continente asiático, em 2.700 A.C. As propriedades medicinais da planta da canábis são, assim, conhecidas e exploradas há milénios, mas o seu uso entrou em declínio no século XX, com o estabelecimento de um quadro regulamentar mundial altamente proibitivo. Isto aconteceu porque, socialmente, os produtos à base de canábis passaram a estar associados a problemas aditivos, distúrbios mentais e episódios de violência.
Não obstante esta realidade, nas últimas décadas, observou-se uma intensificação da investigação científica em torno da canábis medicinal, robustecendo a análise da eficácia das propriedades da planta para diversas patologias e sintomas. O progressivo conhecimento das propriedades da canábis para o uso medicinal e a consequente remoção desta planta da lista da ONU das substâncias mais perigosas, proporcionou uma crescente tendência de liberalização do consumo de canábis por todo o mundo para este fim. Em resultado, o consumo e a produção de canábis para fins medicinais tem vindo a explodir, estimando-se que o número de consumidores de canábis varie atualmente entre 192 milhões e 250 milhões em todo o mundo.
Os países pioneiros nesta trajetória de legalização foram os EUA (1996) e o Canadá (2001), mas, mais recentemente, vários países europeus começaram também a legalizar a canábis medicinal, sendo os Países Baixos (2003) e a Itália (2006) os pioneiros.
Em Portugal, o uso terapêutico da canábis foi legalizado em 2018 e está regulamentado desde fevereiro de 2019. Desde esta data, Portugal promoveu um enquadramento regulamentar estável e consolidado, demarcando-se dos demais países europeus e reforçando, por esta via, o seu posicionamento estratégico nesta indústria.
A progressiva abertura do continente europeu à canábis medicinal tem motivado investimento e deslocação de importantes players mundiais para países-chave europeus, como Portugal ou o Reino Unido. A proximidade geográfica aos grandes mercados europeus (nomeadamente, o alemão) encerra importantes benefícios, nomeadamente a diminuição de custos e de prazos de entrega dos produtos. Adicionalmente, sobretudo em países do sul da Europa, alguns fatores produtivos, como terrenos para cultivo, mão-de-obra, utilities e serviços de suporte, revelam-se mais competitivos em comparação com outras geografias.
Fruto desta realidade, Portugal tem vindo a fazer o caminho na resposta a esta oportunidade. Atualmente, existem em Portugal cerca de 20 empresas com licença para cultivo de canábis medicinal, 22 com licença para importação, 23 para exportação, 8 com licença para fabrico e 8 com licença para comércio. Destacam-se players internacionais de referência como a Tilray, mas também empresas farmacêuticas de base nacional como a Iberfar ou Labialfarma.
O investimento na indústria da canábis em Portugal tem sido muito elevado nos últimos anos. Vários dos projetos lançados estão a ser inclusivamente apoiados pelo PT2020. Fruto desta dinâmica, o emprego, a produção e a exportação de canábis medicinal tem vindo a crescer de forma muito acelerada no país. Sendo Portugal um mercado pequeno, o grosso da nossa produção é exportada, sobretudo para a Alemanha, Israel e Espanha. Com efeito, as exportações nacionais de canábis medicinal aumentaram de 708 kg em 2019 para 4.850 kg em 2020 e 5.694 kg em 2021.
Portugal destaca-se por um enquadramento regulamentar da canábis favorável e estável e pela entidade reguladora considerada progressista. Destaca-se, também, pela geografia e segurança do país e pelas condições climáticas favoráveis à produção da planta. Contudo, o país necessita de melhorar rapidamente a sua capacidade de I&D+I (sobretudo de base pharma), o acesso a financiamento e a sensibilização da população. De igual forma, o país carece de alguns serviços de suporte adicionais e necessita de promover a eficiência processual no sistema de licenciamento.
Apesar das lacunas existentes, Portugal possui excelentes condições para o desenvolvimento de um cluster nacional de canábis medicinal competitivo e para se afirmar definitivamente como um hub europeu nesta indústria, sendo fundamental para o efeito reforçar a aposta em 4 áreas de intervenção críticas: (i) comunicação e divulgação forte do cluster a nível internacional, (ii) promoção consistente da sua competitividade e internacionalização, (iii) financiamento do seu crescimento e (iv) forte aposta na inovação e conhecimento, sobretudo de base pharma.