“O mais grave no nosso tempo não é não termos respostas para o que perguntamos – é não termos já mesmo perguntas.”
Vergílio Ferreira
Disseram-nos que iria ficar tudo bem e instaram-nos a colocar arco-íris às janelas, como forma de pormos os olhos num futuro que se queria próximo e do qual resultaria uma melhoria da humanidade.
A demonstração de que tal não sucedeu pode ser encontrada no caso da Valentina, seja quanto ao alegado tratamento que a mesma mereceu, seja quanto à justiça popular que cidadãos decidiram fazer, não se distinguindo, assim, do que aquele se imputa ao casal. Se as manifestações à porta do tribunal impressionaram pela brutalidade dos gritos, o que foi escrito nas páginas das redes sociais dos dois arguidos, e já agora, pelo menos de um desgraçado cidadão brasileiro que teve o azar de ter o mesmo nome, envergonha-me profundamente. O crime, a ter sido cometido nos moldes em que afirmam ter sido, é horrendo mas um Estado Social de Direito não pode aceitar que os seus cidadãos se portem selvaticamente, para mais contra pessoas que não têm (ainda, pelo menos) culpa formada. Sempre fomos rápidos no gatilho e lentos a perdoar.
Do mesmo modo, pode ser também encontrada em (mais…) um discurso absolutamente populista de Ventura – pessoa que me esforço por ignorar porque estou determinada a não lhe dar importância, o que, como se demonstra, nem sempre consigo –, que mereceu os aplausos de uns quantos, ávidos de encontrarem um alvo específico para uma culpa que é colectiva. A solução que defendeu de confinamento dos ciganos, apenas por o serem, já foi praticada e os resultados são conhecidos.
Todos estes episódios demonstram que não mudámos nada porque a natureza humana não se modifica nem por decreto, nem por isolamento forçado. Também não se modifica com papéis nas janelas, principalmente quando a casa começa a ficar vazia de comida. E, assim, dois meses depois, o que era tão grave deixou de o ser e começamos a sair à rua, mais pobres e sem que o essencial tenha tido qualquer alteração.
Pelo meio, inúmeros trabalhadores perderam o meio de subsistência, nuns casos por via da crise, outros pelo seu aproveitamento. Ignorámos os estivadores, como agora fazemos que não vimos as filas das distribuições de comida, nalguns casos com pessoas de capuzes, numa manifestação de pobreza envergonhada. Desviamos o olhar na expectativa de, um dia, não estarmos ali e fingimos que não está a acontecer. Mas está e não são anúncios governamentais de optimismo que mudam isso.
A única pergunta que, neste momento, consigo fazer é a quem serviu tudo isto. A resposta ainda não a consigo dar.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.