Na cidade de Cartum, Sudão, a imagem de uma mulher vestida de branco, envergando as vestes tradicionais femininas dos seus antepassados, o toub, e a entoar cânticos de revolução perante manifestantes sudaneses parecia ser impensável há uns anos e desafia o nosso olhar mais cínico e desencantado.

Mas se há algo que a História nos ensina é que não há nenhum Império, reinado, ditadura forte o suficiente para resistir à mudança que irrompe nas ruas, clamada por vozes jovens anónimas que sentem que o seu futuro foi roubado.

Desde dezembro de 2018, manifestantes concentraram-se nas ruas de cidades sudanesas, exigindo o fim da ditadura de Omar El-Bashir, um regime brutalmente repressivo que, desde 1989, foi responsável por algumas das maiores atrocidades na região, em Darfur, e conduziu o país à estagnação económica. Não tem faltado também uma repressão particularmente punitiva contra as mulheres, com a introdução da Sharia (lei islâmica) no código penal e o incentivo de práticas como a mutilação genital feminina.

Inspirando-se nas rainhas núbias de outrora, as kandaka, as mulheres sudanesas desempenharam recentemente um papel vital na mobilização dos manifestantes e recordaram as autoridades e fundamentalistas religiosos do seu legado como guerreiras, ativistas e revolucionárias.

Na Argélia, uma jovem geração que que não vislumbra um futuro digno ou emprego, organizou-se e mobilizou-se de forma pacífica, através das redes sociais, para exigir o fim da liderança corrupta de Abdelaziz Bouteflika, presidente desde 1999. Com 70% da população argelina composta por jovens com menos de 30 anos e o desemprego jovem na ordem dos 30%, as lideranças atuais mantêm-se entrincheiradas nas suas glórias políticas e militares do passado.

No Sudão e na Argélia, a narrativa que começou a ser escrita com a Primavera Árabe continua. As insurreições que irromperam no ano de 2010 contra o autoritarismo podem ter conduzido a ramificações trágicas em vários dos países árabes onde os protestos tiveram lugar, mas mostraram que as gerações mais jovens não se irão conformar com nada menos do que um sistema político democrático que garanta uma maior igualdade e liberdade.

As velhas monarquias e regimes nos quais estão concentrados toda a riqueza e privilégios, a corrupção estrutural, as desigualdades gritantes, a constante censura e violação de direitos humanos levaram populações inteiras ao desespero. O mesmo é dizer que nada têm a perder e se viram arrastadas para um Inverno árabe que ainda se prolonga na sua brutalidade, complexidade e violência. O que acontece agora é mais um virar de página num livro de que ainda desconhecemos o desfecho.

Estes homens e mulheres inspiram-nos e dão-nos esperança por não desistirem do seu sonho de democracia numa região dominada por elites que acreditam que podem perpetuar o velho mundo. Mas, felizmente, esse velho mundo está a morrer, apesar da sua implacável resistência. Muitos desejam construir um novo mundo, pedra sobre pedra, e só podemos esperar que essa oportunidade surja num futuro não muito distante.