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Canto Nómada: Em busca da essência aborígene

O que atraiu Bruce Chatwin à Austrália não foram os parques nacionais, a Grande Barreira de Coral ou as praias com os tubos perfeitos para o surf; o que atraiu o escritor inglês foi o nomadismo e a vontade de saber mais sobre os aborígenes australianos.
1 Setembro 2017, 11h40

Em 1983, dirigiu-se ao centro do país para estudar o ‘canto nómada’ – ‘songlines’, em inglês, ou seja, ‘trilhos do canto’, denominados ‘pegadas dos antepassados’ pelos aborígenes – um labirinto de caminhos invisíveis percorrendo todo o território da Austrália.

Segundo os mitos ancestrais da criação do mundo dos indígenas australianos, lendários seres totémicos vaguearam pelo continente cantando o nome de tudo o que encontravam, dando assim origem ao mundo e criando uma espécie de mapas tão informativos quanto espirituais. E é um dever religioso dos aborígenes cruzar ritualmente a terra entoando os cantos desses antepassados, cantando o mundo para que este renasça permanentemente.

“Canto Nómada”, editado pela Quetzal, é um misto de relato de viagem e ficção, no qual Chatwin apresenta todas as suas paixões, por entre citações do filósofo Martin Heidegger e do poeta Rilke, entre outros, sobre as relações entre canto, terra, ser e andar: a sua obsessão pelas viagens, o amor pelos nómadas e pelo nomadismo como forma de vida, o ódio pela exploração inerente à modernidade e o interesse pela origem do ser humano e pela essência da sua natureza, procurando assim alguma fonte de esperança para um futuro mais condizente com as suas crenças.

Ao contrário de outras obras do autor em que as paisagens assumem forte protagonismo – “Na Patagónia”, por exemplo, esse livro mítico que o tornou num dos escritores de literatura de viagem mais conhecidos e celebrados –, em “Canto Nómada” Chatwin é mais exímio nos retratos que faz da fauna humana que vai encontrando, aliás como bom observador que era: “A caminho de Alice [Springs], vindo de Kimberleys, tive de mudar de autocarro em Katherine. Era a hora do almoço. O bar estava cheio de camionistas e operários da construção civil a beber cerveja e a comer pastéis. A maior parte deles estavam vestidos com a farda-padrão do macho do interior da Austrália: botins de camurça, camisolas interiores de operário para mostrar as tatuagens, capacetes amarelos e ‘stubbies’, que são calções verdes sem braguilha, apertados. Ao passar a porta de vidro fosco, a primeira coisa que se via era uma fila de pernas vermelhas peludas e nádegas verde-garrafa.”

Deambulações de Chatwin pela imensa Austrália, num diálogo com o seu cicerone e amigo Arkady, um etnógrafo e ativista russo que se dedica a mapear os territórios aborígenes.

A sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante

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