Rezam as crónicas que o Rei D. Pedro III, tio e consorte de D. Maria I, quando instado acerca de potenciais ocupantes de cargos públicos, destacava invariavelmente dois critérios: que o candidato fosse capaz e idóneo. Por defeito de pronúncia, o monarca aglutinava as palavras, soando a régia exigência como “capacidónio”, termo que se lhe colou à pele como alcunha.
Mais de dois séculos volvidos, as premissas de D. Pedro permanecem actuais, e ninguém disputará que são condições fundamentais para o exercício de qualquer função, pública ou privada. Porém, se já no Séc. XVIII valores mais altos se levantavam e os mais capazes e mais idóneos eram preteridos por aqueles que, beneficiando de empenhos de influentes, de ligações familiares ou da pertença a um determinado “partido” da corte, eram escolhidos para os lugares, ainda na presente centúria se verifica tal vicioso fenómeno, tão caracteristicamente português.
Em tempo de maior exigência ética como o presente, em que a comunicação social – livre e pronta à denúncia – e a opinião pública – atenta e vigilante –, escrutinam mais severamente os titulares de cargos públicos, afigura-se extraordinário que velhos hábitos da elite do poder se mantenham. E não apenas por pressão das estruturas partidárias que ambicionam lugares no Estado e no seu sector empresarial, mas também, e sobretudo, porque entendida como um direito e um dever até dos governantes para com os seus fiéis.
Se dúvidas houvesse, o primeiro-ministro e secretário-geral do PS expressou-o sem rodeios, ao afirmar que “seria estranho que um Governo do Partido Socialista não fosse composto por pessoas do Partido Socialista ou da área do Partido Socialista”.
Porque os governos não são dos partidos que governam mas do país, não só não é estritamente necessário que todos os seus membros sejam militantes do partido no poder ou próximos desde, como seria desejável que não fossem, porque facilmente se geram situações de incompatibilidade ou de conflito de interesse, dado serem tendencialmente sempre os mesmos a ocupar os cargos, mas também porque a competência não se esgota no partido e nos seus arredores.
Um governo deve empenhar-se em recrutar os melhores e, desde que não haja uma objecção de fundo do nomeado ao Programa do Governo, qualquer cidadão, desde que capaz e idóneo – para usar a máxima de D. Pedro – pode desempenhar funções.
António Costa mostrou inteligência ao evitar nomeações de membros da mesma família no Governo, face à indignação que tais situações criaram, mas não resiste à tentação ancestral do favoritismo partidário, que considera um facto natural da vida, mesmo pondo em risco a própria sobrevivência do Executivo, preço demasiado alto, não apenas para o PS mas também para o país, que expressou desejo de estabilidade nas eleições de Janeiro do ano passado, a que se soma o perigo do crescimento dos movimentos populistas, que se alimentam das imperfeições do sistema político.
Bom seria que a presente crise servisse de alerta mas, desgraçadamente, António Costa não extraiu desta as evidentes conclusões. Como diz a canção, “os velhos hábitos custam a morrer”.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.