“É quase impossível imaginar que, de todas as coisas à venda, a mais atrativa, em termos de preço, seja aquela que está a ser vendida por um vendedor conhecedor do negócio a alguém menos conhecedor”, Warren Buffett
Num ano fértil em IPO (Inicial Public Offerings – operações de venda de ações de empresas que vêm ao mercado pela primeira vez), a WeWork destaca-se. O seu modelo de negócio é simples: arrenda escritórios – não é a dona dos espaços – divide-os, remodela-os e subarrenda-os a preços mais elevados. O modelo de negócio não é novo ou suficientemente distinto de outros no passado. No entanto, o acesso a grandes volumes de capital e a ambição do seu fundador e CEO, Adam Neumann, fizeram toda a diferença para se chegar a ouvir avaliações de pré IPO de cerca de 90 mil milhões de dólares. Em 2012, numa ronda de entrada de capital, a empresa havia sido avaliada em quase 100 milhões de dólares.
Existem centenas de empresas de co-working, mas Neumann insistia em 2017 que a WeWork era algo mais: “a nossa avaliação (na altura, 47 mil milhões de dólares) e dimensão tem mais a ver com a nossa energia e espiritualidade do que com qualquer múltiplo de receitas.” Neumann defendia que a WeWork não era apenas uma empresa de imobiliário, “somos uma comunidade e estamos aqui para mudar o mundo”. Numa festa da empresa em 2018, Neumann declarou que a missão da WeWork era “elevar a consciência do mundo”.
Aswath Damodaran, Professor na Universidade de Nova Iorque e autor do livro “Narrative and Numbers”, salienta, na sua análise da WeWork: “a maior parte dos negócios precisa de escritórios e a forma como esse espaço é criado e fornecido segue um determinado modelo há décadas. O dono de um edifício, que o comprou recorrendo a dívida, arrenda-o a empresas que precisam de espaço e usa as rendas recebidas para pagar os juros da dívida e os custos de manutenção. À medida que a economia enfraquece, a procura por escritórios diminui e a queda nas taxas de ocupação expõe o dono do edifício a riscos.
“Os empresários de imobiliário prudentes tentam comprar os edifícios quando os preços estão baixos e procuram que os inquilinos assinem contratos de longa duração quando as rendas estão altas. Tentam, assim, construir uma almofada de lucros que os proteja de recessões. Mesmo com esta prudência acrescida, o imobiliário comercial foi sempre um negócio de bolhas e crises e mesmo os empresários mais bem-sucedidos já foram milionários e falidos (pelo menos no papel) em momentos diferentes das suas vidas”.
Confiante que faz muito melhor, Neumann propõe-se reinventar este setor e o mundo. O que conseguiu é realmente impressionante: a WeWork tem 466 mil membros a trabalhar em 485 localizações em mais de 100 cidades em 28 países. Em 2014, arrecadou receitas de 75 milhões de dólares, o ano passado atingiu os 1,8 mil milhões. Há três anos, tinha 1.000 colaboradores, hoje cerca de 12.400. É o maior inquilino de Nova Iorque e o segundo maior em Londres. A sua narrativa era, para muitos, fantástica.
A publicação, em agosto passado, do prospeto do IPO foi um duro choque com a realidade: Neumann teria direito a 20 vezes os direitos de voto dos outros acionistas e, em caso de morte, seria a esposa a escolher o sucessor. O prospeto revelou ainda que as perdas da WeWork escalaram de 900 milhões de dólares em 2017 para 1,6 mil milhões em 2018 e que a empresa pagou 20,9 milhões de dólares de rendas em edifícios de que Neumann era parcialmente proprietário.
O IPO acabou por ser cancelado e a WeWork só não vale zero porque o seu maior acionista, o Softbank, preferiu injetar mais 9,5 mil milhões de dólares – a somar aos 10,65 mil milhões que já tinha investido na empresa. Neumann foi afastado – com uma indemnização que pode atingir 1,7 mil milhões – e a empresa está a ser reestruturada na tentativa de operar um modelo de negócio que possa vir a ser rentável. A única coisa positiva neste caso é que os investidores particulares não perderam dinheiro. Tiveram sorte, o IPO não teve lugar.
Um estudo realizado nos Estados Unidos entre 1980 e 2007, concluiu que as ações compradas nos IPO perdem, relativamente ao mercado, cerca de 21% ao ano nos três primeiros anos em que estão cotadas e a performance real destas empresas é pouco menos que um desastre. Apesar da péssima performance dos IPO estar bem documentada, os investidores continuam a participar na festa.
O que leva os bancos a serem tão otimistas nos IPO?
Damodaran diz que a banca não avalia os ativos, apenas os apreça. A diferença entre avaliar e apreçar é enorme: quando avaliamos um ativo, queremos saber o que ele produz e os cash flows que vai gerar no futuro. Quando a banca apreça um ativo, fá-lo por comparação, procura ativos semelhantes e o preço a que transacionam.
É o que se faz no imobiliário: se temos um apartamento para vender, procuramos os preços das últimas transações de apartamentos com a mesma tipologia na mesma zona e calculamos o metro quadrado a que foram vendidos. Os valores resultantes das rondas de financiamento destas empresas usam a mesma abordagem. O problema é quando não há empresas semelhantes ou quando os mercados não as apreçam corretamente. Nesses casos, vale tudo para embelezar o que se está a vender, incluindo transformar um senhorio imobiliário num conceito de tecnologia. A narrativa sobrepõe-se aos números.
Scott Galloway, num artigo de 27 de setembro, a propósito deste e de outros IPO recentes, aponta o dedo à Banca de Investimento. Ao que parece, Neumann aconselhava-se com o CEO do JPMorgan, Jamie Dimon, entre outros da alta finança. O JP Morgan terá aconselhado ao Conselho de Administração da WeWork um intervalo de avaliações de 40-60 mil milhões. O Goldman Sachs terá avaliado entre 60-90 mil milhões.
Scott Galloway enfatiza os conflitos de interesse com que estes vendedores de histórias operam, “nos últimos cinco anos, a Goldman tem tentado, agressivamente, gerir o meu dinheiro. Convidaram-me para a estreia de “Solo: A Star Wars Story”, o que vale, sem dúvida, um por cento anual dos meus ativos. Se a Goldman fosse a minha gestora de fortunas, teria inundado a minha carteira com ações da WeWork se, no IPO, tivessem conseguido comprar ao preço “barato” de 47 mil milhões? Estará a Goldman mais focada nas comissões de colocação das ações (130 milhões de dólares) ou em atuar como fiduciário dos interesses dos clientes? Ou serão apenas idiotas?”.