Há duas ideias bem oleadas nas sociedades actuais, sobretudo ocidentais, seja na sua dimensão mais intelectual ou mais política. A de que o sistema histórico vigente à escala global que emerge da esfera económica e que transforma a esfera política, social e ecológica, o capitalismo, promove a liberdade e a democracia.

Há uma associação positiva entre as palavras capitalismo e liberdade e capitalismo e democracia. Aliás, têm sido regulares ao longo da história as intervenções políticas, económicas e militares realizadas em diferentes países, em nome da liberdade e da democracia, que o tempo e uma observação mais atenta revelam tratar-se apenas de consequências dos interesses económicos das grandes corporações multinacionais e de interesses políticos geoestratégicos de domínio.

Analisando esta questão e longe de esgotar o tema, é necessário ter em conta que o capitalismo é baseado na relação entre patrão (proprietário dos meios de produção) vs. trabalhador e na acumulação de capital, que é um sistema global expansivo (daí a necessidade de crescimento económico) e que conta com centros e periferias. Pode haver países mais afastados ou mais imersos no sistema, países dominantes ou países periféricos, países que têm uma relação ou outra com o sistema. Mas é um sistema global que a todos diz respeito e que a todos domina ou pelo menos influencia.

Sobre a questão da liberdade:

1) A liberdade varia imenso no seio das sociedades e entre países do sistema capitalista. Se os mais ricos têm até certo ponto significativas liberdades, os mais pobres têm poucas. Por exemplo, uma pessoa rica ou muito rica pode decidir não trabalhar sem sofrer consequências relevantes, a generalidade da população não tem essa possibilidade sem sofrer pesadas consequências pessoais e sociais.

2) É um regime que cria necessidades que não são naturais para o bem-estar e felicidade das pessoas e impele-as, através de sofisticados meios e técnicas de publicidade, a consumir novos produtos (quantas vezes desnecessários e tóxicos para a saúde e ambiente) e a deitar fora os antigos. Quanto mais necessidades tem uma pessoa, menos ela é livre.

3) Temos também de falar dos milhões e milhões de pessoas que foram e são forçadas a trabalhar e mesmo escravizadas em prol do desenvolvimento capitalista. Pode-se não prestar a atenção mediática devida ao tema, mas há relatórios de organizações internacionais que têm alertado para esta triste realidade que persiste na actualidade. A abundância de bens e serviços e o desafogo de largos sectores sociais no mundo dito desenvolvido têm como contraponto a miséria extrema e a diminuta ou mesmo ausência de liberdade noutras regiões do mundo.

Portanto, a liberdade que o capitalismo promove é muito desigual entre pessoas e países, é sobretudo para os mais ricos e mesmo para eles, por vezes, mais riqueza poderá tornar-se em menos liberdade, menos bem-estar, menos segurança, etc.

Sobre a questão da democracia:

1) Os proprietários de grandes empresas decidem aspectos fundamentais da vida económica que afectam muitas pessoas. A decisão de investir ou não investir, encerrar ou mover a produção de um país para outro, tem consequências significativas na vida de muitas pessoas, famílias, regiões e países. As decisões que tomam não são democráticas e mesmo no quadro dessas empresas apenas alguns accionistas maioritários são envolvidos.

2) As decisões no local de trabalho na esmagadora maioria dos casos são tomadas de forma não democrática. O patrão (muitas vezes ausente) manda, os trabalhadores obedecem. Evidentemente há diferentes tipos de patrão e os melhores podem ouvir ou envolver os trabalhadores nas decisões, mas não altera a dinâmica da relação que estou a descrever.

3) Os governos dos países, incluindo os que são eleitos democraticamente, pelas pressões do sistema são fortemente impelidos a estar ao serviço de interesses privados e a aprovar leis que favoreçam os seus interesses. As políticas públicas estão muitas vezes ao serviço dos negócios das grandes empresas. A ameaça de desinvestimento e de mobilidade do capital está sempre presente.

4) As elites económicas e financeiras controlam e manipulam o sistema político democrático, através de grandes doações para campanhas políticas, financiamento de lobbies, controlo de meios de comunicação social, contactos sociais privilegiados, subornos e outras formas de corrupção de políticos eleitos.

Se estas características podem ser mitigadas, através de leis que favoreçam o poder político de organizações de trabalhadores, do Estado Social, de financiamento público de campanhas políticas, de investimento público e restrições ao investimento privado ou regulação do mesmo, elas não podem ser eliminadas. Mais importante e como a história nos tem demonstrado muitas destas reformas têm sido revertidas pela “força” de interesses poderosos e dinâmicas do sistema.

Concluindo, se é verdade que com o capitalismo surgiram novas formas de liberdade e democracia (sobretudo política), muitas vezes duramente conquistadas por movimentos sociais e políticos, que não existiam nas sociedades anteriores, parece que o sistema impede novas realizações para elas e com o tempo e as suas crises torna-se mesmo uma ameaça. Portanto, ao contrário da crença, o capitalismo limita e pode mesmo pôr em perigo a liberdade e a democracia.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.