Consciente das  graves consequências da situação geopolítica que o Mundo hoje atravessa, pretendo agora focar-me no nosso país, sabendo naturalmente que é sobejamente interdependente (e, logo, vulnerável a qualquer choque externo) mas que tem, em si, enraizado uma série de realidades que  conferem algum grau de ambiguidade.

Com efeito, somos basicamente um país com poucos recursos, altamente endividado (não só em termos de dívida pública), com salários baixos, baixa produtividade média e níveis de pobreza ainda relevantes. Em suma, um país algo desigual.

Mas, mais do que tudo isto – e já não seria pouco – somos um país com uma população altamente envelhecida, uma pirâmide demográfica invertida num contexto em que, e apesar das ineficiências existentes, os serviços públicos de saúde têm contribuído para alargar a esperança média de vida, como provam as estatísticas.

E para atestar a ambiguidade acima referida, somos também um país onde se evidenciam sinais de modernidade, de bolsas consumistas, de projetos inovadores com conteúdo tecnológico, de sectores de actividade que dão cartas na exportação, de qualificações académicas da população a evidenciar níveis crescentes, de “explosão” dum ambiente eufórico que as massas turísticas sempre proporcionam, etc.. Estamos como que numa encruzilhada!

Obviamente, temos que avançar, apostando na qualificação dos recursos humanos, criando com empenho condições para um ambiente empresarial privado estimulante, captando investimento estrangeiro estruturante, promovendo sem demoras a reorganização duma máquina do Estado demasiado pesada e mal gerida (e sugadora de fundos), de forma a tornar-se uma alavanca do crescimento económico.

Mas atenção, não podemos deixar de ter o nosso foco naquilo que molda e moldará durante bastante tempo a nossa realidade, ou seja, a existência duma população envelhecida com maior esperança média de vida. Ora, sendo esta a realidade, não deixa de ter reflexos de ordem política inevitáveis. E porquê? Porque num estado democrático, que nos prezamos de ser, quem decide quem nos governa é o povo, o tal que globalmente está envelhecido.

O que quer isto dizer? Que o “povo” representa normalmente uma tendência/atitude de maior resignação e menor iniciativa, onde o que constitui preocupação prioritária é o bem-estar minimamente aceitável num futuro próximo, e onde o ambiente para reformas que “agitem as ondas” não é de certeza o mais receptivo. No entanto, não conte qualquer Governo com acções pouco transparentes e de pura propaganda, bem como com graves ineficiências em serviços públicos básicos, porque aí pode não haver a tal “apatia eleitoral”.

Por tudo isto – veja-se as  propostas no recente discurso de Montenegro no Pontal – qualquer governação tem que ser dotada de muita sensibilidade social e ética, de maneira a mitigar com determinação as profundas desigualdades, sobretudo a pobreza, dotando o país de serviços públicos eficientes e tirando o melhor partido dos fundos comunitários específicos.

Pensionistas e reformados, trabalhadores com salários médios baixos, elevado peso de famílias dependentes da Administração Pública, relevância de apoios sociais diversos, são como que um farol donde não se pode desviar o foco da acção governativa, consumindo recursos que poderiam ser, não fosse esta a situação, encaminhados para alvos que mais rapidamente gerassem criação de riqueza e valor acrescentado.

Todos sabemos que os partidos políticos com probabilidades de governação em democracia tendem, naturalmente, a ajustar-se às características maioritárias (em regra moderadas) do eleitorado. E, com franqueza, não estou a ver condições para grandes choques reformistas e necessariamente “agitados” nos próximos tempos – já chega as adversidades da pandemia, das consequências da guerra na Ucrânia, dos incêndios. Isso não impede que se continue a promover gradualmente, com firmeza e ambição possível, acções de modernização do Estado, da sociedade civil e empresarial, desde logo aplicando criteriosamente os vultosos fundos comunitários que já chegaram e hão de chegar!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.