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Carlos Costa: Expansão da rede de distribuição com digitalização da banca agrava o “too big to fail”

O Governador do Banco de Portugal reconheceu que ainda não existem estudos empíricos suficientes para avaliar as implicações da digitalização do sector bancário.
  • Cristina Bernardo
22 Outubro 2019, 11h32

O governador do Banco de Portugal alertou para o facto de a digitalização trazer a expansão das redes de distribuição dos produtos financeiros e por isso intensificar o risco do “Too Big to Fail”, expressão que ficou conhecida para descrever o papel da AIG na crise financeira de 2008.

“A extensão da cobertura geográfica promovida pela digitalização e a interação entre os diferentes players coloca desafios à salvaguarda da estabilidade financeira, incluindo à política macroprudencial, que importa acautelar. Riscos de too big to fail também precisarão de ser monitorizados”, disse Carlos Costa esta terça-feira num Grande Encontro Banca do Futuro, organizado pelo Jornal de Negócios, num discurso sobre os desafios supervenientes à crise financeira.

“A nova arquitetura do sistema financeiro e os novos modelos de negócio obrigarão, assim, a uma resposta multidisciplinar dos vários stakeholders envolvidos, e à colaboração entre países, de forma a maximizar as oportunidades e a minimizar os riscos para a sociedade”, defendeu.

A resposta a este risco passa pela necessidade de os supervisores desenvolverem competências para entender e monitorizar o impacto da digitalização nos modelos de negócios e de aumentar as competências digitais dos seus quadros.

O Governador referiu que por isso “as autoridades competentes não devem interromper a dinâmica em curso, mas devem enquadrá-la e assegurar, nomeadamente: a neutralidade da regulação em relação à tecnologia, i.e., a aplicação do princípio ‘a mesma atividade, o mesmo risco, as mesmas regras, a mesma regulação’; o tratamento justo e equilibrado entre incumbentes e novos participantes, bem como entre jurisdições”.

Deve-se sujeitar os novos participantes à regulação e supervisão bancária se estes desempenharem funções bancárias, “distinguindo claramente o modelo de supervisão entre atividade de recolha e canalização de poupança com garantia de depósitos de atividades de canalização da poupança sem garantia de liquidez e resgate; a identificação de novos riscos e adoção de iniciativas regulatórias e de supervisão adequadas e coordenadas, incluindo com reguladores de oversight e proteção de dados, e autoridades da concorrência”.

Empresas FinTech e BigTech (ou TechFin) têm vantagens comparativas em relação aos bancos na utilização de big data, inteligência artificial, machine learning e utilização de dados de redes sociais para análises de crédito (credit scoring) e avaliação de risco, explicou num longo discurso.

“O modelo de negócio bancário como o conhecemos sofrerá inevitavelmente alterações profundas”, disse.

“Não se pode parar este processo”, disse Carlos Costa falando da digitalização e do consequente desmembramento da cadeia de valor, o chamado unbundling. “Os bancos terão de ser flexíveis e rápidos na (re)ação face aos requisitos do cliente e do mercado, para não perder a relação direta que construíram com os seus clientes”, disse.

“Nesta resposta, são vários os caminhos possíveis, alguns dos quais complementares”, elencando a redefinição dos modelos de negócio instituídos; a “reconversão ou transformação (possivelmente gradual ou faseada) de sistemas de IT instalados para sistemas tecnologicamente mais modernos (menos custosos, mais escaláveis e mais user-friendly) capazes de tratar grandes quantidades de informação em tempo quase real”; o “unbundling de eixos de negócio (o que eventualmente lhes trará menores custos de compliance e maior agilidade na interação com os clientes); a interseção e sinergia com múltiplas linhas económicas de negócio tradicionalmente separadas do negócio bancário (vendas de bens e serviços variados)”.

Carlos Costa reconheceu que até ao momento, o Open Banking ainda não desencadeou uma alteração material na quota de mercado e na rendibilidade dos bancos incumbentes devido ao relacionamento histórico dos clientes e à sua elevada inércia. “Por exemplo, o total de crédito concedido por FinTech é ainda inferior a 1% do total do crédito global ao sector privado  e tem maior expressão em países com setores bancários menos competitivos e regulamentação menos rigorosa”, disse.

“Estudos recentes da Autoridade Bancária Europeia (EBA) demonstram também que as FinTech que se têm estabelecido no sector dos pagamentos fazem sobretudo uso de serviços de cloud para o desenvolvimento de carteiras digitais/móveis.  Tais serviços têm-se revelado especialmente disruptivos e criadores de valor para os cidadãos sem acesso a serviços bancários e para pequenas e médias empresas nos países em desenvolvimento”, avançou.

“Embora, atualmente, o relacionamento entre instituições financeiras incumbentes e as FinTech pareça ser de natureza amplamente complementar e cooperativa,  as inovações digitais e as melhorias na tecnologia de informação têm o potencial para alterar significativamente a estrutura competitiva do setor financeiro a prazo”, alertou.

Dada a sua escala e tecnologia, as BigTech têm a capacidade de agregar grandes quantidades de dados a um custo quase zero. “Isso dá origem àquilo a que o BIS cunhou de ‘monopólios digitais’ ou ‘data-opolies’”, acrescentou.

Diz ainda Carlos Costa que “através de efeitos de rede, isso poderá gerar dinâmicas de ‘winner-takes-all’ onde o efeito de subsidiação cruzada dos vários negócios onde as BigTech operam lhes permite operar com margens baixas e ganhar quota de mercado.  Além disso, podem também desmontar os modelos bancários tradicionais e reduzir as suas economias de escala e escopo. Uma vez estabelecida a sua posição dominante em informação (data), as BigTech têm o potencial para discriminar preços e extrair o excedente do consumidor ao utilizar os dados para avaliar a capacidade creditícia de um potencial devedor, mas também para identificar a taxa mais alta que o devedor estaria disposto a pagar por um empréstimo ou o prémio mais alto que um cliente pagaria por um seguro”, expõe o Governador.

O Governador reconheceu no entanto que ainda não existem estudos empíricos suficientes para avaliar as implicações da digitalização do sector bancário. “Há quem aponte para a existência de menor volatilidade, mas também para um aumento do risco sistémico devido ao maior uso de inteligência artificial, enquanto outros sustentam que o uso das tecnologias tenderá a provocar uma resposta mais rápida e generalizada a indicadores de mercado, resultando numa maior volatilidade e prociclicidade”, disse.

Concluiu com os desafios da banca de “enxaguar” os problemas do passado fruto da exacerbação do crédito, de absorção da tecnologia e necessária redefinição dos modelos de negócio instituídos (por exemplo ao nível do desenvolvimento da oferta). Mas também a extensão de novos concorrentes e o estreitamento do mercado e a compressão das margens. Há o risco de desnatar segmentos de mercado, acrescentou.

Carlos Costa disse que no entanto no futuro continuarão a existir depósitos, crédito e supervisão.

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