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Carlos Fino: “Brasil tem vergonha da herança portuguesa”

“Porque é que o Brasil não celebra o dia de Pedro Álvares Cabral?”, sugere o ex-jornalista. “Historicamente, o colonialismo português não foi nem pior nem melhor do que os outros colonialismos”, defende Carlos Fino.
8 – Brasil
5 Janeiro 2022, 09h54

Carlos Fino tornou-se conhecido dos portugueses pelo seu trabalho como correspondente da RTP em Moscovo e em Bruxelas. Mais tarde, deixou o jornalismo e mudou-se para o Brasil em 2004 para trabalhar como conselheiro de imprensa da embaixada de Portugal em Brasília até 2012.

A experiência em terras de Vera Cruz levou-o a escrever uma tese de doutoramento, defendida na Universidade do Minho, que deu agora origem a um livro: “Portugal-Brasil: raízes do estranhamento”.

Em entrevista ao Folha de São Paulo, Carlos Fino não tem dúvidas em afirmar que o “Brasil tem vergonha da herança portuguesa”.

“Isso não existe em relação ao Portugal contemporâneo que é muito procurado pelos brasileiros. Muitos gostam do país, os ricos brasileiros vão para Portugal comprar casa”, destacou.

Na entrevista, destaca que “historicamente, o colonialismo português não foi nem pior nem melhor do que os outros colonialismos”.

“Há vergonha da herança portuguesa, que é vista como todo o que era mau, como a origem de todos os males. Rejeitando essa herança, o Brasil rejeita tudo o que é mau, porque há sempre esse lado mau em todas as coisas. Mas também perde todo o lado bom, e esse lado bom nunca é verdadeiramente assumido como sendo uma herança genuína brasileira”, destaca.

Carlos Fino chega a apontar que o Brasil não tem um feriado para assinalar a chegada dos portugueses, à semelhança do dia de Cristóvão Colombo nos Estados Unidos. “Porque é que o Brasil não celebra o dia de [Pedro Álvares] Cabral? É o dia inaugural do processo que haveria de conduzir à sua própria constituição, que não é só a Independência, que foi muito depois”.

“É claro que o Brasil tem diversas outras influências, desde as pré-históricas, passando pelos indígenas e depois pela presença negra vinda por meio da escravatura. Mais tarde, a partir do final do século XIX, com espanhóis, italianos, japoneses, alemães, sírios, libaneses, eslavos e tantos outros. Claro que tudo isso tem que estar presente. Agora, o que não pode ser apagado é que, apesar de todas essas diferenças, o que marca o Brasil é a herança portuguesa”, afirmou.

O ex-jornalista dá o exemplo de uma exposição sobre o barroco brasileiro, em que na exposição inteira “não havia a palavra “Portugal” e não havia a palavra “português. Isso começou-me a mostrar que o viés brasileiro é, digamos, diluir a memória portuguesa. Quando ela não pode ser apagada, ela é diluída. Em vez de português, diz-se ibérico. Ou em vez de ibérico, ‍diz-se europeu”.

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