Segunda-feira marcou o mundo automóvel com a detenção de Carlos Ghosn em Tóquio, a capital do Japão. O líder da Renault-Nissan-Mitsubishi, a maior aliança da indústria do mundo automóvel, está alegadamente envolvido num escândalo por não ter declarado aproximadamente 44 milhões de dólares (38,5 milhões de euros) ao fisco japonês e por ter usado ativos da Nissan em benefício pessoal, condutas que terá praticado durante vários anos. Consequentemente, as ações da Renault e da Nissan derraparam 8,4% e 7,8%, respetivamente.
Antes de produzir carros, Carlos Ghosn fazia pneus. Depois de se ter licenciado em engenharia, em Paris, a Michelin contratou-o em 1978 aos 24 anos. Aos 30 anos, depois de duas promoções, torna-se COO da Michelin Brasil, voltando ao país que o viu nascer para o mundo e onde passou a sua infância, antes de se mudar para o Líbano, de onde os seus pais eram naturais.
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A Michelin Brasil vivia tempos conturbados devido à hiperinflação que assolava a economia brasileira. Carlos Ghosn, fluente em francês e em português, conhecia bem as culturas dos dois países. Instaurou na sede brasileira da Michelin uma cultura organizacional inclusiva a todas as nacionalidades que aí trabalhavam, promovendo a eficiência operacional. Sob o seu leme, a Michellin Brasil voltou aos resultados positivos.
O trabalho de Carlos Ghosn impressionou a casa mãe da Michelin e é promovido novamente. A empresa francesa, que acabara de comprar a Uniroyal Goodrich Tire Company, uma produtora de pneus, deu-lhe a missão de reestruturar as duas empresas e faz dele presidente e COO da Michelin da América do Norte. Com Carlos Ghosn, a fusão é um sucesso e, em 1990, a Michellin faz dele chairman e CEO, uma acumulação de cargos que se iria repetir ao longo da sua carreira mais três vezes.
Em 1996, ao fim de 18 anos na produtora de pneus, Carlos Ghosn deixa a Michelin. Corre ao longo da cadeia de valor da indústria automóvel e integra a Renault, em 1997. Segundo o seu perfil no LinkedIn, enquanto vice-presidente executivo para a América Latina, tinha vários departamentos a seu cargo na marca francesa que, à semelhança da Michelin Brasil, também estava a passar por momentos difíceis. Passavam pelo seu controlo as áreas de investigação & desenvolvimento, engenharia, produção, motorização e vendas.
Foi por esta altura que Carlos Ghosn ganhou a alcunha “Le Cost Killer” – o ‘assassino dos custos’ – por cortar todos excedentes operacionais e que, pouco tempo mais tarde, introduziu no Japão. Ao abrigo do seu plano, a Renault cortou os custos em 20 mil milhões de francos (a moeda francesa antes de ter aderido à Moeda Única) e, a partir de 1997, a marca francesa passou novamente para o EBITDA positivo.
Em 1999, a Renault compra 36,8% da Nissan e acumula o cargo que tinha na Renault com o de COO da construtora japonesa. Nasceu, assim, aquela que se tornaria na maior aliança do mundo automóvel. Apesar de ter sido o primeiro estrangeiro a liderar uma multinacional japonesa, viu-se novamente ao leme de uma empresa à beira da falência, uma situação que já conhecia bem. A Nissan tinha uma dívida que ascendia aos 20 mil milhões de dólares e com prejuízos na ordem dos 6 mil milhões de dólares. “Le Cost Killer”, seguindo o seu “plano de revitalização” da Nissan, encerrou cinco fábricas no Japão e despediu 21.000 pessoas.
Prometeu que, ao fim de dois anos, a Nissan passaria a dar lucros; caso contrário, ele e a sua equipa de gestão demitir-se-iam. Carlos Ghosn excedeu todas as expectativas e, ao fim de apenas um ano, a Nissan passou a ser uma das construtoras de automóveis mais rentáveis do mundo, com margens anuais de 9%, em média, nos três anos seguintes. No Japão, depois de ser encarado com desconfiança pela sociedade e imprensa japonesas, torna-se num ícone e é celebrado nas famosas edições da Manga, onde surgiu o Dragon Ball.
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Em 2001, torna-se CEO da Nissan e em 2005 CEO da Renault. Com esta acumulação de cargos, Carlos Ghosn torna-se na primeira pessoa a ser chief executive officer em simultâneo de duas empresas que integram a Fortune 500.
Em 2002, é nomeado chairman e CEO da aliança Renault-Nissan. Atualmente, as duas empresas têm participações uma na outra: a Renault detém 43,3% da Nissan, enquanto a marca japonesa detém 15% da construtura francesa, sem ter, no entanto direitos de voto. Por sua vez, a Nissan detém 34% da Mitsubishi, desde 2016.
A aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, que integra ainda a maior fabricante de automóveis russa, a AVTOVAZ, atingiu o apogeu ao ter vendido quase 10 milhões de carros no mundo inteiro em 2016. Por outras palavras, um em cada nove veículos vendidos nesse ano tinham o selo de Carlos Ghosn.
Ao dia de hoje, Carlos Ghosn é chairman da Nissan e da Mitsubishi, e chairman, presidente, e CEO da Renault e chairman e CEO da aliança. Esta quinta-feira, Saikawa vai propor a sua demissão da Nissan e de outro administrador da marca, Greg Kelly, que também tem assento no board. A Mistsubishi também pretende retirar-lhe o cargo de chairman. Quanto à Renault, disse que esta semana irá reunir o seu board para decidir o futuro daquele que é o homem que há mais tempo lidera uma construtora de automóveis.
Em 2017, Ghosn deixou o cargo de CEO da Nissan, substituindo-o no cargo Hiroto Saikawa, que pensava de forma semelhante a Carlos Ghosn. Desde então, noticia o “Financial Times”, cada uma das três marcas de automóveis nomearam mais de 24 gestores para criarem novas funções entre as empresas, com o objetivo de supervisionar todas as áreas operacionais da aliança. O objetivo, segundo apurou o jornal britânico junto de pessoas próximas de Carlos Ghosn, era fazer de “Le Cost Killer” o gestor de uma ‘super-empresa’ que ele lideraria, com três CEOs a reportarem-lhe diretamente. Um super-gestor ao leme de uma aliança, desdobrada em três marcas multinacionais de automóveis, geridas cada uma por um CEO.
A sobrevivência da aliança é agora uma incógnita. As culturas francesa e japonesa são muito diferentes uma da outra e Carlos Ghosn era um ponto de contacto entre as fabricantes que têm uma história e uma cultura próprias.
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