Foi há 40 anos que o maratonista Carlos Lopes conquistou em Los Angeles a primeira medalha de ouro para Portugal nos Jogos Olímpicos.
Em 1984, eu tinha apenas 7 anos, mas tenho bem presente a euforia que o país viveu com a conquista surpreendente do Carlos Lopes na denominada “Prova Rainha” dos Jogos Olímpicos, a maratona, com o tempo de 2 horas, 9 minutos e 21 segundos, um recorde olímpico que perdurou durante 24 anos.
Tive o privilégio de uns bons anos mais tarde desse feito ter conhecido o Carlos Lopes no âmbito de funções que exercia na Câmara Municipal de Lisboa. Para além do registo histórico e da enorme admiração que tinha por ele, a verdade é que depois de o conhecer e falar com ele esse respeito aumentou ainda mais pela sua forma de estar e de encarar a vida.
Por circunstâncias que hoje já não tenho bem presentes, algures em 2003, estava em casa do Carlos Lopes e deparei-me com uma garagem que acolhia centenas de medalhas e de taças daquele que era uma das nossas maiores referências desportivas. Confesso que senti uma enorme indignação. Tudo aquilo que o Carlos Lopes tinha dado ao país e ao desporto nacional e internacional estava amontoado em caixotes e com um sério risco de se destruir ou de se perder em caso de uma inundação ou incêndio. Naquele momento senti que um país que respeita a sua história e os seus protagonistas devia ter a estima por um espólio desportivo que devia ser preservado e estar disponível aos olhos dos portugueses.
Após várias conversas com o Carlos e com a sua família, chegámos à conclusão de que o passo seguinte seria a criação de uma Fundação com o seu nome e que tivesse como propósito a salvaguarda de todo o seu espólio desportivo. Foi um privilégio ter presidido durante cerca de 3 anos ao conselho de administração da sua Fundação. Infelizmente, depois de um conjunto de várias iniciativas, algumas com projeção nacional e internacional, a lei das fundações foi alterada e a Fundação acabou por ter o seu fim.
Hoje, felizmente, uma pequena parte do seu espólio está exposto, em Lisboa, no Pavilhão Carlos Lopes. Não tenho dúvidas de que muito mais deveria ser feito para perpetuar o exemplo deste singular atleta.
A título de exemplo, recordo algo que ainda hoje tem seguramente um grande interesse desportivo – e até mesmo um valor económico e comercial – que são os mapas de treinos que o Carlos Lopes elaborou para preparar-se para os Jogos Olímpicos. Para além dos treinos com o Professor Moniz Pereira, o Carlos Lopes fazia os seus próprios treinos. Porém, esses seus planos de treino só ele os conhece.
Esses manuscritos, tanto quanto sei, ainda são totalmente desconhecidos do público e deviam, na minha opinião, ser objeto de organização e publicação. Para além das repetidas cerimónias evocativas e de muitas “palmadinhas nas costas” do Carlos Lopes (que evidentemente sabem-lhe muito bem), penso que era mais importante que as autoridades públicas preservassem o espólio do atleta e que dessem a conhecer as características que permitiram o seu exemplar legado desportivo: muito trabalho, resiliência, planeamento e o seu reconhecido amor a Portugal.
Carlos Lopes é um verdadeiro modelo para as novas gerações. Os seus feitos não devem ser esquecidos, mas acima de tudo as qualidades que permitiram o seu enorme sucesso deviam ser exaltadas junto dos mais novos. Ainda recentemente afirmou: “Sempre acreditei que era possível, trabalhei para ser campeão olímpico porque tinha essa convicção. Sabia aquilo que eu valia e acima de tudo o conhecimento que eu tinha dos meus adversários. Eu trabalhei para ser campeão olímpico”.
O espírito de sacrifício, o planeamento, a sua autoconfiança e o seu enorme espírito de família são as quatro singularidades que mais retenho do Carlos Lopes. Estou muito grato por tudo aquilo que aprendi com ele.
Hoje, também é o tempo de assinalar os feitos de Iúri Leitão, Rui Oliveira, Patrícia Sampaio e Pedro Pichardo. Todos merecem a nossa gratidão por serem os nossos medalhados nos Jogos Olímpicos de Paris. Vários outros atletas portugueses, diplomados em diferentes modalidades, também granjeiam o nosso respeito, porque representaram Portugal ao mais alto nível, mas não conseguiram subir ao pódio.
Um país que tem tido muitos sucessos no futebol, deveria também repensar os apoios concedidos aos atletas (e aos antigos atletas) e às várias modalidades. Subir a um pódio é o resultado de uma dedicação plena a uma modalidade. Os apoios são fundamentais para ambicionarmos mais medalhas.
Consoante o país existem diferentes formas de compensação dos medalhados. Sugiro uma análise comparada para nos posicionarmos enquanto país que tem boas práticas com os seus atletas.
Uma última nota de pesar pela morte de José Manuel Constantino. Um homem que teve uma vida dedicada ao desporto português.