Ou, mais uma vez, a comunicação social que temos.

Na Faixa de Gaza são assassinadas dezenas de pessoas, há milhares de feridos, há mais de mil crianças atingidas e ninguém chama carniceiro a Benjamin Netanyahu!

Segundo a Rádio Pública Antena 1, o massacre resultou de uma “intervenção musculada” de Israel. Segundo outros “Israel tem o direito a proteger as suas fronteiras” e então bala em cima de uma marcha de gente “armada” de pedras e paus, fundas e fisgas. Os mais hipócritas (como o Governo português) pedem “uma resposta proporcional”, nunca explicando o que isso é. Ou a não menor hipocrisia do Secretário-Geral da ONU: “As forças de segurança de Israel têm de aplicar a máxima restrição no uso de munições reais”. (Não será Gaza também “O inferno na Terra”, Sr. Secretário-Geral?) E o que fazem os cúmplices hipócritas da UE? Votos de piedosas intenções, sempre com a medida da proporcionalidade…

Escreve-se ainda esta coisa inominável. “Perante sinais pessimistas, palestinianos arriscam tudo para manter a sua causa nos media” (subtítulo da reportagem de Maria João Guimarães, Público 14MAI18). Não se trata da luta pelos seus direitos históricos e legítimos à face do direito internacional violados por Israel, com a descarada cumplicidade da dita Civilização Ocidental, há décadas, mas sim de aparecer nas televisões e jornais! Não é o direito dos palestinianos, descendentes dos mais de 800 mil expulsos, que ainda hoje esperam pela aplicação da Resolução 194, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 11 de Dezembro de 1948, que estabelece o seu “direito ao regresso” às suas casas ou a receber uma indemnização. Não é seu direito lutarem com todas as suas forças e coragem contra a agressão concretizada por Trump e o Estado de Israel, ao instalar a embaixada dos EUA em Jerusalém, querendo impô-la à margem de todos os acordos e decisões internacionais como capital do Estado de Israel. Não. Queriam tão-só aparecer nas televisões e jornais!

Pior, só mesmo a comentadora, que, quando lhe levantam o problema dos palestinianos assassinados por Israel, afirma que os mandam “para ali para serem mortos para depois vir agitar o martírio.” (Clara Ferreira Alves, Eixo do Mal/SIC, 19MAI18).

E o que é que se diz na comunicação social portuguesa sobre o comunicado de 16 de Maio da UNICEF, onde se escreve que “muitos dos ferimentos (infligidos às crianças) são graves e podem mudar as suas vidas para sempre, alguns dos quais resultam em amputações” – desde 30 de Março mais de mil crianças foram feridas na faixa de Gaza? Zero. E da reunião de 17 e 18 de Maio do Fórum das Nações Unidas sobre a Questão Palestiniana, sob o tema “70 anos após 1948 – Lições sobre como alcançar uma paz sustentável”? Zero. E da Resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, em 18 de Maio, de criação uma “Comissão de Inquérito, internacional e independente” sobre o massacre de Gaza? Zero. E como foi pronta e diligente a reportar notícias do funcionamento dos órgãos da ONU quando se tratou das encenações dos EUA e da UE sobre a Síria…

Registe-se esta outra pérola. “Israel vive, portanto, num paradoxo. É um país que é, politicamente, a única democracia digna desse nome numa vasta região que vai muito além do Médio Oriente. E é, ao mesmo tempo, um país que administra na prática um espaço físico com o dobro do seu tamanho onde promove todos os dias o apartheid e a repressão” (Expresso Curto, 14MAI18, José Cardoso). Oh Cardoso, um paradoxo?! Os 300 mil palestinianos de Jerusalém Oriental votam? Dessa não sabia o Dr. Salazar. Que a sua “democracia orgânica” que também casava democracia com “eleições”, e tudo com repressão, colonialismo e apartheid, era um paradoxo! Aconselhava, contudo, a leitura da entrevista ao historiador israelita Ilan Pappé: “Israel não é uma democracia, isso é um mito” (Et Cetera/O Jornal Económico, Ana Pina, 18MAI18).

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.