Dezenas de milhares de milhões de euros desaparecem todos os anos dos cofres da União Europeia através de um esquema criminoso complexo e silencioso que se aproveita da legislação europeia para transações transfronteiriças entre Estados-membros, uma vez que estão isentos de IVA. É a chamada fraude carrossel, onde empresas sem escrúpulos movimentam bens entre Estados-membros sem cobrar ou pagar o imposto devido, apenas para depois obter um reembolso indevido do IVA que nunca foi pago ao fisco.
Anualmente representa uma perda de receita para a União Europeia na ordem dos 50 mil milhões de euros. Um valor colossal que a UE perde, em média, todos os anos devido à fraude transfronteiriça do IVA e que representa uma surpresa até para magistrados com um perfil dedicado a investigações relacionadas com o sistema financeiro. É o caso de José Ranito, Procurador Europeu Delegado, que em recente entrevista ao JE revelou essa surpresa, quando começou a exercer funções em 2021, deparando-se com a realidade revelada pelas investigações a IVA transfronteiriço, que faz com que esta atividade criminosa seja particularmente rentável.
Apesar da dimensão do problema e dos meios técnicos para o combater, José Ranito diz que a falta de vontade política para o resolver de forma definitiva tem permitido que este assalto silencioso continue impune, ano após ano, e que representa a quase totalidade de prejuízos financeiros estimados pelas investigações portuguesas na EPPO (Procuradoria Europeia).
Importa, pois, remover os obstáculos à resolução da fraude carrossel do IVA através de uma maior cooperação internacional entre as autoridades tributárias para combater as empresas de fachada e as operações transfronteiriças. Uma luta sem tréguas que deveria ter o apoio político necessário para uma ação coordenada, como a implementação de medidas como a digitalização dos processos e a interoperabilidade dos sistemas fiscais. Não faltam alertas sonoros, como do Tribunal de Contas Europeu, que destaca falhas graves no controlo por parte dos Estados-membros e uma cooperação deficiente entre as autoridades aduaneiras e fiscais.
Só a vontade política (e mais meios) para investir e garantir a cooperação necessária, poderá ditar o êxito no combate a um esquema que funciona como um circuito de pagamentos fictícios que permite aos criminosos pedir devoluções de IVA que nunca pagaram, com distorções na concorrência e prejuízos para a atividade económica. De outra forma, as soluções tardam e as populações acabam por pagar com os impostos mais do que seria necessário, caso fossem alocados os meios e as soluções para resolver um problema antigo que envolve empresas fantasmas. O efeito é duplo: afeta diretamente os cidadãos ao comprometer as receitas nacionais e, indiretamente, o financiamento da UE, através deste recurso próprio como montante potencial de cobrança.
Impõe-se, por isso, uma resolução prioritária das Administrações fiscais neste tipo de práticas fraudulentas que representam, na prática, uma forma criminosa de apropriação de fundos públicos que deveriam ser arrecadados pelos Estados e investidos no bem comum. No fim do dia, estas fraudes são responsáveis por menos dinheiro para serviços públicos como saúde, educação ou segurança, e prejudica diretamente os cidadãos. O carrossel é lucrativo e continua a girar à escala global. O seu valor é chocante e o impacto é real.