Como muitos cidadãos estupefactos, li a Carta Aberta às televisões generalistas nacionais, publicada no jornal “Público” e assinada por várias personalidades.
Um grupo de pessoas decidiu explicar o que as televisões podem e não podem fazer, ou melhor, o que “admitem” e o que “não admitem” derivado ao contexto da pandemia. Não podem admitir, e cito, “o estilo acusatório com que vários jornalistas se insurgem contra governantes, cientistas e até o infatigável pessoal de saúde”.
As 42 pessoas que assinam a carta, ordenadas por ordem alfabética, começando em Abílio Hernandez, professor universitário e acabando a lista no capitão de Abril, Vasco Lourenço, não admitem que os jornalistas façam o seu trabalho e usufruam do seu direito profissional de questionar, colocar em causa, fazer o contraditório, informar os cidadãos.
Não fosse isto suficientemente grave, o texto continua no mesmo tom lápis azul duas semanas após Portugal ter atingido o topo da lista dos países com maior número de infectados por milhão de habitantes. “Mesmo sabendo a importância da informação sobre a pandemia, não podemos aceitar o apontar incessante de culpados, os libelos acusatórios contra responsáveis do Governo e da DGS, as pseudonotícias (que só contribuem para lançar o pânico) sobre o “caos” nos hospitais, a catástrofe, a rutura sempre anunciada, com a hipotética “escolha entre quem vive e quem morre”.
Este grupo de pessoas sabe “a diferença entre informação, especulação e espectáculo. E entre bom e mau jornalismo”. Tudo isto seria uma anedota se não fosse aviltante, tantos são os assinantes da carta com queda particular para reinventar ou negar a história.
Entre os subscritores encontramos a médica Isabel do Carmo que dias antes, numa entrevista publicada na revista “Sábado”, afirmou não ser bombista – nos anos quentes a seguir à revolução transportou explosivos, mas nunca os detonou. Como se tal acção obliterasse o facto de os explosivos que transportou terem sido detonados e terem matado. E afirma também que aqueles que detonaram as bombas são heróis. Assim mesmo no texto.
Outra das assinantes, Rita Rato, actual directora do Museu do Aljube e ex-deputada do PCP, ficou tristemente famosa por numa entrevista desconhecer o que eram os gulags. Até hoje, é difícil de perceber se nega ou reconhece a existência dos gulags onde faleceram milhões de seres humanos. Entretanto, parece que descobriu que a democracia pode ser exercida fazendo pressão e exigindo respeitinho à classe profissional dos jornalistas.
A missiva acaba com mais uma exigência. “Exigimos uma informação que respeite princípios éticos, sobriedade e contenção. E, sobretudo, que respeite a democracia.” Exactamente aquilo que não contém e não respeita. Esta carta é um atentado à liberdade e à democracia.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.