Senhor Dólar, já lá vão mais de seis meses desde a última carta que lhe escrevi, através desta mesma coluna. Na altura escrevi a lembrá-lo que, apesar do pessimismo generalizado do mercado em relação às suas perspectivas, havia quem não se esquecia das suas virtudes. Desta vez escrevo para alertá-lo dos danos colaterais que a sua rápida valorização, nestes seis meses, está a causar a algumas economias emergentes.

Existem dois factores principais que, combinados, estão são o principal motivo para a valorização do dólar. Em primeiro lugar, um aumento significativo da oferta de obrigações do tesouro norte-americano em mercado, que está a acontecer devido à redução do balanço da Reserva Federal e ao aumento da emissão de dívida por parte do seu Tesouro. Em segundo lugar, uma percepção generalizada de que a inflação norte-americana não deverá aquecer demasiado nos próximos anos, o que torna as obrigações soberanas norte-americanas num investimento relativamente atractivo aos níveis de yield actual, e permite que o primeiro factor aconteça sem que as yields subam demasiado.

O resultado da conjugação destes dois factores é que uma grande quantidade de dólares está a ser sugada dos quatro cantos do mundo para investir em obrigações do tesouro norte-americano, causando uma significativa apreciação do dólar. Isto não é um problema para a economia doméstica norte-americana, que, efectivamente, até agradece que as yields soberanas estejam estáveis numa altura em que o Governo vai avançar com uma expansão fiscal. Mas os danos colaterais que a valorização do dólar está a causar merecem alguma atenção.

A primeira economia emergente a vacilar foi a da Argentina, que se viu obrigada a pedir ajuda ao FMI. Depois tivemos a lira turca a afundar, o que também irá causar dificuldades à economia turca e, provavelmente, forçar um autocrata a optar entre pedir ajuda ao FMI ou ver a economia do seu país sucumbir perante a inflação. E é possível que assistamos a mais casos destes se o dólar continuar a valorizar. Estas situações deprimem o sentimento dos investidores internacionais, que podem retirar investimento de economias saudáveis sem grande motivo para isso e, dessa forma, causar-lhes danos desnecessários. Um daqueles casos em que são as expectativas dos investidores a determinar o futuro de uma economia, em vez do contrário.

Senhor Dólar, se da última vez transmiti a minha apreciação pelas suas virtudes, desta vez peço-lhe que tenha alguma atenção à economia global. A Reserva Federal pode perfeitamente seguir o mesmo rumo de normalização da política monetária, mas a um ritmo mais lento…

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.