Como bem sabemos, o Natal é uma época que se quer de paz, de fraternidade, de concórdia. Vai daí e PSD, PS, BE, PCP e PEV conseguiram colocar de lado as diferenças que, de há uns tempos para cá, parecem surgir a propósito de tudo (até de matérias que deveriam ser suprapartidárias, como a igualdade de género) e chegar a um entendimento. Imbuídos de espírito natalício, os cinco partidos decidiram fazer uma troca de presentes – outra tradição própria da quadra – e acordaram alterar a lei do seu próprio financiamento. Numa votação estilo “amigos secretos”, a 21 de Dezembro, aprovaram o Projecto de Lei n.º 708/XIII/3. Como escreveu Paulo Ferreira, «os mesmos partidos que defendem que o financiamento partidário deve ser exclusivamente público, para evitar tentações, aprovam agora o contrário e isentam o financiamento privado de qualquer limite».

A mim chama-me mais a atenção o aditamento do artigo 8.º-A. Acho engraçado que os mesmos partidos que viraram o seu discurso para os problemas da habitação venham agora dar-se a hipótese de ocupar gratuitamente os imóveis do Estado (incluindo os das autarquias locais, das entidades do sector público empresarial e das entidades da economia social) e nem vejam nisso uma forma de receita.

Na exposição de motivos do seu Projecto de Lei n.º 653/XIII, diz o BE que «partes importantes do parque habitacional das cidades foram capturadas pelo AL, diminuindo a oferta no mercado imobiliário e aumentando os preços de arrendamento e do m2 para venda». E isto justifica que proponham a limitação do alojamento local a 90 dias por ano. Já o PCP afirma que se tem «assistido a uma transferência de uso de imóveis do arrendamento habitacional permanente para o alojamento local, de carácter temporário, reduzindo a oferta de habitação disponível aumentando substancialmente os preços de arrendamento (e também para a aquisição de habitação)», pelo que o seu Projecto de Lei n.º 574/XIII quer sujeitar o alojamento local à autorização do condomínio, à semelhança do Projecto de Lei n.º 524/XIII, do PS, e, ainda, dar às Câmaras Municipais a possibilidade de impor quotas máximas.

Estas três iniciativas legislativas vão ser discutidas no próximo dia 5 de Janeiro. Não vou repetir as explicações que dei e que acrescentei a propósito do consentimento dos vizinhos para o alojamento local. Também a proposta do BE já me mereceu um artigo, pelo que me vou dispensar de voltar aos argumentos nele apresentados, nomeadamente o de que é um disparate querer aplicar uma solução nacional a uma eventual questão local. E vou abster-me de fazer uma crítica às fundamentações apresentadas por cada uma delas, que começaria na discussão mais filosófica sobre quem tem direito a morar onde e que acabaria a questionar as relações de causalidade que se oferecem, mas que estão por provar e que não podem, aliás, ser empiricamente testadas, porque os dados que permitiriam fazê-lo não estão (ainda) disponíveis.

Vou apenas notar que, para BE, PCP e PS, privados a arrendar temporariamente as suas casas a turistas, gerando rendimento, pagando impostos sobre esse rendimento, é retirar imóveis do uso habitacional, é descaracterizar os bairros, é gerar transtornos aos condóminos; é um problema tão grande que legitima travar o alojamento local. Já o património do Estado ser capturado pelos partidos políticos é perfeitamente tranquilo. Como disse Alexandre Homem Cristo, o Natal dos partidos políticos foi à grande. Esperemos que, para o turismo, em particular para o alojamento local, o Dia de Reis não seja com “carvão no sapatinho”.

 

Nota: Vera Gouveia Barros escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.

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