O ciclo de vida das organizações é um processo complexo que coloca um conjunto de desafios significativos para os diferentes stakeholders. Muito se tem escrito sobre o impacto da Covid-19 na vida das empresas, sendo pertinente a reflexão sobre as diferentes soluções que aquelas têm ao seu dispor nesta conjuntura, no mínimo, desafiante.

Uma das soluções poderá passar por um processo de M&A, mais concretamente pelo carve-out (separação e alienação) de uma unidade de negócio e/ ou de um conjunto de ativos detidos por uma empresa considerados non-core.

Várias poderão ser as motivações para esta operação de desinvestimento, nomeadamente: (i) procurar resolver dificuldades de tesouraria, sendo esta uma opção quando a empresa tem dificuldade em se financiar junto dos meios convencionais, permitindo gerar liquidez e reduzir riscos de insolvência; (ii) potenciar o foco nas áreas de negócio consideradas core (áreas-chave), assegurando o plano de investimento necessário ao seu desenvolvimento, o que potenciará a rentabilidade e a capacidade de resposta aos desafios existentes.

Este poderá ser um processo mais ou menos linear, dependendo do grau de integração e sinergias entre a empresa e a unidade de negócio/ativos que estão a ser destacados, sendo que o nível de interdependência existente condicionará a valorização da oportunidade por parte de um potencial investidor. É necessário preparar antecipadamente o processo de separação, sendo que as áreas que tipicamente suscitam “stand alone considerations” (ou seja, valências que o negócio continuará a precisar depois da separação) são os recursos humanos, TI, cadeia de abastecimento, área comercial, propriedade intelectual, entre outros.

Os desafios dependerão do perfil do investidor (corporate buyer versus private equity). Os carve-outs são uma das faces mais complexas do M&A, dadas as dificuldades que se colocam à realização do due diligence e na preparação operacional do pós-transação.

Para que uma operação de M&A desta natureza seja bem sucedida é essencial a preparação de informação financeira de qualidade sobre a unidade de negócio/ativos objeto de carve-out que reflita de uma forma rigorosa e transparente (i) os ativos e passivos a ser transacionados e (ii) a rentabilidade normalizada do negócio, num cenário em que este opere de forma independente e tendo por base um conjunto de pressupostos aderentes à realidade. Existe também um conjunto de implicações fiscais que requerem uma análise detalhada.

As operações de carve-out têm demonstrado ser uma tendência crescente nos anos mais recentes. Em 2020, algumas das maiores operações de M&A realizadas foram carve-outs, nomeadamente a venda da divisão de elevadores por parte da Thyssenkrupp a um consórcio formado pela Advent e Cinven (17.2 biliões de euros) e a aquisição por parte da KKR de uma divisão dedicada à reciclagem (Viriato) pertencente ao grupo Pennon (4.2 biliões de libras). Também no mercado nacional estas operações ganham expressão crescente, como é exemplo a recente operação de venda por parte da NOS das torres de telecomunicação à Cellnex.

A conjuntura atual parece ser favorável a operações de carve-out, criando condições para um win/win para os diferentes intervenientes neste processo de M&A.

Na ótica de quem vende, espera-se que crie valor para o acionista, pois permite um encaixe financeiro e o enfoque no desenvolvimento da rentabilidade do seu negócio core. Caso o processo seja bem conduzido, é expectável que o resultado seja superior à realidade que existia antes do carve-out. Na ótica de quem compra, é um novo futuro que se oferece a um negócio, outrora percecionado como non-core e possivelmente com algum défice de investimento, cuja expectativa é que tenha um forte potencial de crescimento a ser explorado.

Como em todas as crises, também na atual existirão oportunidades para aqueles que proativamente quiserem tomar as rédeas do seu futuro e reformular/recentrar o seu negócio, sendo o carve-out, desde que devidamente planeado, uma solução viável e com resultados promissores.