As duas últimas semanas da política europeia ficaram marcadas por assuntos que, não sendo novos, continuam sem solução à vista e sofreram, mesmo, preocupantes desenvolvimentos.

Por terras de Sua Majestade, o primeiro-ministro Boris Johnson acumula insucessos atrás de insucessos, face a um Parlamento que até agora se tem caracterizado por recusar tudo quanto, em matéria de Brexit, lhe é proposto ou submetido, não tendo revelado, porém, a mais ínfima capacidade para se colocar de acordo a favor do que quer que seja. De coligação negativa em coligação negativa, por quatro vezes já a Câmara dos Comuns se recusou a dar o seu aval a dois acordos celebrados com a União Europeia para regular a saída do Reino da União.

Numa posição deveras paradoxal, Westminster tem chumbado todas as propostas de acordos para disciplinar o Brexit ao mesmo tempo que já aprovou legislação que proíbe uma saída da União sem acordo.

E neste jogo de paciência o cúmulo do impensável mostrou-nos um primeiro-ministro britânico a dirigir duas cartas em simultâneo à União Europeia: uma, não assinada, em que dá conta da necessidade de prorrogar o período negocial pelo menos até 31 de janeiro próximo; e outra, devidamente assinada, em que manifesta a sua oposição e a oposição do seu governo a qualquer prorrogação ou adiamento do processo negocial entre a União e o Reino.

Este processo, independentemente do juízo que sobre a sua essência possamos fazer, ultrapassou, há muito e por muito, as mais elementares regras da prudência, bom-senso e racionalidade. Transformou-se num imprudente areópago de experimentalismo político-diplomático que reúne todas as condições para terminar mal e em tragédia anunciada. No meio de tanta trapalhada, tanta confusão e tanta incompetência, só por milagre este processo que nasceu mal poderá conhecer um final feliz.

Por outro lado, aqui bem ao lado, em Espanha, também a Catalunha luta pelo seu “exit” – pela sua saída do Reino de Espanha. Assinalando os dois anos da realização do referendo independentista de 1 de outubro de 2017, e coincidindo com a prolação da sentença condenatória do Supremo Tribunal de Justiça espanhol relativamente aos autores materiais e morais de tal ato, Barcelona e a Catalunha estiveram a ferro e fogo, não faltando, mesmo, quem invocasse reminiscências da guerra civil espanhola para ilustrar o que se passou nas ruas da Catalunha.

A dita sentença, que teve o condão de ser salomónica e não agradar nem a nacionalistas nem a separatistas, foi o catalisador e o detonador da confrontação. Hoje, poucas dúvidas restam que o Supremo Tribunal de Justiça respondeu politicamente à jogada política do governo de Madrid que decidiu levar uma questão essencialmente política para a esfera da justiça.

A sentença prolatada devolveu a questão ao domínio do político, concluindo pela aplicação de uma série de sanções que não agradaram aos nacionalistas – que as julgaram brandas por darem por provado apenas a comissão do crime de sedição e não do crime de rebelião – nem, tão-pouco, aos separatistas independentistas – que as julgaram demasiado gravosas e injustas.

O problema fundamental, neste diferendo, é que as posições chegaram a um tal ponto extremo em que dificilmente alguma parte poderá recuar sem perder a face. A margem de recuo negocial é praticamente inexistente. Com a agravante de, na sua essência, os catalães estarem a reclamar aquilo que o Estado ou o Reino de Espanha jamais lhes poderá dar de forma negociada, pactada ou concertada – uma parcela do seu território onde se erguerá um novo Estado soberano, sujeito absoluto de direito internacional.

Parece evidente que nenhum Estado, por definição, estará em condições de ceder ou de dispensar parte do seu território de forma voluntária em vista da criação de um novo Estado. Pelo menos, de o fazer de forma pacífica e voluntária. Por outro lado, as vozes separatistas catalãs também já entraram numa tal escalada reivindicativa que dificilmente algo menos do que a obtenção da independência e a formação de um novo Estado as poderá contentar e saciar.

Estamos, pois, ante um conflito que a qualquer momento pode revestir aspetos mais complexos e que terá sempre uma mui ténue linha de separação entre a confrontação política de rua e a violência pura e dura de fações em combate pelos seus ideais.

Neste quadro de tons sombrios, o Catalexit atingiu já proporções e dimensões que o Brexit nunca atingiu. E por muita errância que este último conheça, por muita irracionalidade que o caracterize, será sempre muito mais fácil de resolver do que a pretensa saída da Catalunha do Reino de Espanha.

Este é um problema que ameaça eternizar-se e mal andará quem não lhe prestar a devida atenção. A começar pelas autoridades portuguesas que, inevitavelmente, não poderão deixar de tomar uma posição sobre o assunto. Remetê-lo para a esfera dos assuntos internos do Reino de Espanha é um argumento meramente formal. Mas virá o tempo em que se perceberá que é curto e que é pouco.

Se é verdade que Espanha tudo fará para evitar a internacionalização do conflito e para não lhe dar uma dimensão internacional, os indícios que se conhecem demonstram à saciedade a sua incapacidade de lidar com o tema. Inevitavelmente o mesmo acabará por cair na esfera internacional. E seria bom, nessa altura, Portugal ter uma doutrina firmada sobre o tema.

Para nós, enquanto Estado e nação, não nos deve ser indiferente termos um único vizinho no quadro da Ibéria ou termos esse mesmo vizinho em acelerado processo de decomposição. Definitivamente, não é a mesma coisa.

As duas últimas semanas da política europeia ficaram marcadas por assuntos que, não sendo novos, continuam sem solução à vista e sofreram, mesmo, preocupantes desenvolvimentos.

Por terras de Sua Majestade, o primeiro-ministro Boris Johnson acumula insucessos atrás de insucessos, face a um Parlamento que até agora se tem caracterizado por recusar tudo quanto, em matéria de Brexit, lhe é proposto ou submetido, não tendo revelado, porém, a mais ínfima capacidade para se colocar de acordo a favor do que quer que seja. De coligação negativa em coligação negativa, por quatro vezes já a Câmara dos Comuns se recusou a dar o seu aval a dois acordos celebrados com a União Europeia para regular a saída do Reino da União.

Numa posição deveras paradoxal, Westminster tem chumbado todas as propostas de acordos para disciplinar o Brexit ao mesmo tempo que já aprovou legislação que proíbe uma saída da União sem acordo.

E neste jogo de paciência o cúmulo do impensável mostrou-nos um primeiro-ministro britânico a dirigir duas cartas em simultâneo à União Europeia: uma, não assinada, em que dá conta da necessidade de prorrogar o período negocial pelo menos até 31 de janeiro próximo; e outra, devidamente assinada, em que manifesta a sua oposição e a oposição do seu governo a qualquer prorrogação ou adiamento do processo negocial entre a União e o Reino.

Este processo, independentemente do juízo que sobre a sua essência possamos fazer, ultrapassou, há muito e por muito, as mais elementares regras da prudência, bom-senso e racionalidade. Transformou-se num imprudente areópago de experimentalismo político-diplomático que reúne todas as condições para terminar mal e em tragédia anunciada. No meio de tanta trapalhada, tanta confusão e tanta incompetência, só por milagre este processo que nasceu mal poderá conhecer um final feliz.

Por outro lado, aqui bem ao lado, em Espanha, também a Catalunha luta pelo seu “exit” – pela sua saída do Reino de Espanha. Assinalando os dois anos da realização do referendo independentista de 1 de outubro de 2017, e coincidindo com a prolação da sentença condenatória do Supremo Tribunal de Justiça espanhol relativamente aos autores materiais e morais de tal ato, Barcelona e a Catalunha estiveram a ferro e fogo, não faltando, mesmo, quem invocasse reminiscências da guerra civil espanhola para ilustrar o que se passou nas ruas da Catalunha.

A dita sentença, que teve o condão de ser salomónica e não agradar nem a nacionalistas nem a separatistas, foi o catalisador e o detonador da confrontação. Hoje, poucas dúvidas restam que o Supremo Tribunal de Justiça respondeu politicamente à jogada política do governo de Madrid que decidiu levar uma questão essencialmente política para a esfera da justiça.

A sentença prolatada devolveu a questão ao domínio do político, concluindo pela aplicação de uma série de sanções que não agradaram aos nacionalistas – que as julgaram brandas por darem por provado apenas a comissão do crime de sedição e não do crime de rebelião – nem, tão-pouco, aos separatistas independentistas – que as julgaram demasiado gravosas e injustas.

O problema fundamental, neste diferendo, é que as posições chegaram a um tal ponto extremo em que dificilmente alguma parte poderá recuar sem perder a face. A margem de recuo negocial é praticamente inexistente. Com a agravante de, na sua essência, os catalães estarem a reclamar aquilo que o Estado ou o Reino de Espanha jamais lhes poderá dar de forma negociada, pactada ou concertada – uma parcela do seu território onde se erguerá um novo Estado soberano, sujeito absoluto de direito internacional.

Parece evidente que nenhum Estado, por definição, estará em condições de ceder ou de dispensar parte do seu território de forma voluntária em vista da criação de um novo Estado. Pelo menos, de o fazer de forma pacífica e voluntária. Por outro lado, as vozes separatistas catalãs também já entraram numa tal escalada reivindicativa que dificilmente algo menos do que a obtenção da independência e a formação de um novo Estado as poderá contentar e saciar.

Estamos, pois, ante um conflito que a qualquer momento pode revestir aspetos mais complexos e que terá sempre uma mui ténue linha de separação entre a confrontação política de rua e a violência pura e dura de fações em combate pelos seus ideais.

Neste quadro de tons sombrios, o Catalexit atingiu já proporções e dimensões que o Brexit nunca atingiu. E por muita errância que este último conheça, por muita irracionalidade que o caracterize, será sempre muito mais fácil de resolver do que a pretensa saída da Catalunha do Reino de Espanha.

Este é um problema que ameaça eternizar-se e mal andará quem não lhe prestar a devida atenção. A começar pelas autoridades portuguesas que, inevitavelmente, não poderão deixar de tomar uma posição sobre o assunto. Remetê-lo para a esfera dos assuntos internos do Reino de Espanha é um argumento meramente formal. Mas virá o tempo em que se perceberá que é curto e que é pouco.

Se é verdade que Espanha tudo fará para evitar a internacionalização do conflito e para não lhe dar uma dimensão internacional, os indícios que se conhecem demonstram à saciedade a sua incapacidade de lidar com o tema. Inevitavelmente o mesmo acabará por cair na esfera internacional. E seria bom, nessa altura, Portugal ter uma doutrina firmada sobre o tema.

Para nós, enquanto Estado e nação, não nos deve ser indiferente termos um único vizinho no quadro da Ibéria ou termos esse mesmo vizinho em acelerado processo de decomposição. Definitivamente, não é a mesma coisa.