Luís Montenegro e Hugo Soares afirmaram com grande convicção que é nos municípios liderados pelo Partido Socialista (PS) que se verifica uma maior incidência de habitações precárias. Alegam que tal deve ser dito porque corresponde a um facto. Admitamos que seja um facto. Contudo, a minha concordância termina aí. O nexo de causalidade sugerido não é, necessariamente, aquele que os referidos políticos pretendem insinuar.

As barracas constituem uma manifestação de pobreza extrema, a qual é uma condição persistente e multifacetada, com raízes em diversas causas estruturais e históricas. Atribuir a concentração de pobreza e de habitações precárias nos concelhos de Almada e Loures à gestão autárquica do PS e do PCP representa uma simplificação abusiva, populista e eticamente questionável por parte de Montenegro e Soares.

Recordando o episódio Spinumviva, é legítimo afirmar que a ética não parece ser uma prioridade para nenhum dos dois. O que parece importar é a manutenção do poder, independentemente dos meios utilizados. Ainda assim, talvez não se trate apenas de uma questão ética. Começo a considerar que poderá haver lacunas na formação jurídica em Portugal, nomeadamente no domínio da estatística. A ausência de literacia estatística, particularmente no que respeita à análise multivariada, levanta preocupações. Acresce o facto de serem indivíduos cuja carreira política se iniciou precocemente, o que poderá contribuir para uma visão limitada da realidade social. Se assim for, estaremos perante um problema não apenas ético, mas também de incompetência ou ignorância.

Importa salientar que, para além da multiplicidade de causas que podem explicar a concentração de pobreza e de habitações precárias, a direcção da causalidade pode ser inversa. Por exemplo, pode argumentar-se que os municípios de Almada e Loures apresentam maiores níveis de pobreza porque são governados pelo PS e pelo PCP. No entanto, é igualmente plausível defender que “os municípios onde existe maior concentração de pobreza tendem a votar mais no PS e no PCP”. Da mesma forma que, em Cascais, se verifica uma tendência para votar no PSD e no CDS, possivelmente com o intuito de preservar a ausência de barracas e promover a substituição destas por empreendimentos de luxo — uma realidade, convenhamos, mais agradável para os residentes.

A realidade é inequívoca: enquanto o país não for capaz de gerar valor, criar oportunidades e promover a integração dos imigrantes de forma eficaz, o agravamento da pobreza e o ressurgimento dos bairros de lata continuará a verificar-se nas periferias e nos concelhos satélites das grandes áreas urbanas.

Fala-se no regresso dos bairros de lata. Já os políticos com “lata” insistem em permanecer.