A recente tomada de decisão do Instituto Nacional de Estatística (INE) de não incluir nos Censos de 2021 uma pergunta sobre a origem étnico-racial da população, além de não fazer sentido, é reveladora de uma tendência cada vez mais dominante na sociedade portuguesa da tomada de decisões fundadas em preconceitos e no politicamente correto e não no seu mérito próprio.

Decidindo contra a recomendação do Grupo de Trabalho e da própria ONU, o presidente do INE apresentou três razões de fundo para a decisão de excluir a pergunta do próximo estudo sobre a população em Portugal: por um lado, ao fazê-lo, corria-se o risco de institucionalizar as categorias étnico-raciais e legitimar a classificação das pessoas. Por outro lado, o trabalho de preparação da inserção da questão deveria ter começado há mais tempo, como sucedeu noutros países. Em terceiro lugar, o facto de a questão ser facultativa geraria incertezas.

A segunda e a terceira razões apontadas não são lógicas nem dignificantes. Estarmos atrasados, apesar de muito português, devia ser uma causa de embaraço e não uma justificação aceitável para uma decisão irracional. Ser facultativo, gerar incertezas, ainda que se compreendesse, é de fácil solução: torne-se obrigatório.

A primeira razão invocada, a do risco da institucionalização de categorias étnico-raciais, é na verdade mais do que um risco, mas de uma coisa diferente. É a confirmação da institucionalização do preconceito e do nosso atraso. A frase de Voltaire de que o preconceito é a opinião sem conhecimento, não podia estar mais apropriada. Levada ao extremo, levaria a prescindirmos também de informação sobre a idade da população para não estigmatizar os idosos. Ou sobre o género. Ou até sobre o local de residência. Levaria a acabar com os Censos.

De acordo com o site do próprio INE, os Censos servem para obter uma “fotografia” dos indivíduos e das suas condições de habitabilidade. A disponibilidade destes dados permite-nos saber “Quantos somos? Como somos? Onde vivemos? Como vivemos?”, possibilitando melhores tomadas de decisão sobre o número de escolas, creches, lares de idosos que são necessários em cada região; onde se devem construir vias de comunicação, hospitais e outras infraestruturas; como distribuir os fundos pelas câmaras municipais, entre outros.

A conveniência na disponibilidade de dados sobre a origem étnico-racial da população foi evidente noutros países mais desenvolvidos e até com uma multiculturalidade mais forte. Trata-se de informação que, entre outras utilidades, é indispensável ao desenvolvimento de políticas de integração social de determinadas comunidades, ao combate à discriminação racial, e até de um ponto de vista científico, permitiria estudar se determinadas doenças ou fatores ambientais afetam mais camadas da população de determinada ou determinadas origens étnico-raciais e investigar as razões. No entanto, o INE prefere não saber.