Centeno sai do Banco de Portugal (BdP) em confronto com Miranda Sarmento, da mesma forma que entrou, há cinco anos, quando o então deputado do PSD criticou a sua nomeação um mês após deixar o Ministério das Finanças, acusando-o de ser um “agente político” sem independência do poder político.

Requisitos que, na hora da despedida, o primeiro-ministro sinalizou há poucos dias não estarem em causa ao afirmar que Mário Centeno “reúne todos os requisitos” para ser governador. Se a competência não está em causa, os critérios políticos ditaram a escolha do antigo ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, para novo governador. Na hora do anúncio, o Executivo não escondeu que é a melhor escolha por ser independente. Não vem de dentro do banco, nem de nenhum Governo. “Serve melhor os objetivos”.

Centeno é o primeiro governador em 25 anos a não ser reconduzido, apesar de garantir tudo aquilo que é o cumprimento das funções de um banco central. Ao longo do seu mandato, foram vários os momentos irritantes e de tensão entre Miranda Sarmento e Centeno, que desafiou muitas das medidas políticas, como o corte do IRC, que considerou sem impacto no crescimento, ou a importância da mão de obra estrangeira para a economia a propósito do apertar as regras para a entrada de imigrantes.

As projeções económicas foram outro irritante com o banco central a ser a primeira instituição a estimar um regresso aos défices, já este ano, com as medidas do atual Executivo. Os recados e troca de galhardetes sucederam-se e a direita não gostou, chegando a admitir que as críticas do ex-ministro das Finanças seriam para retirar ganhos políticos para uma eventual corrida a Belém.

Pelo meio, assiste-se a outro forte embate, no caso Hélder Rosalino, com Centeno a recusar o salário de origem de 15 mil euros para o ex-administrador do BdP ser nomeado secretário-geral do Governo. Já nas vésperas da escolha do novo governador, o Executivo da AD pediu uma auditoria à IGF ao polémico negócio milionário da nova sede do BdP, reacendendo, até à última, a tensão política que marcou os últimos anos.

Na base da não recondução estará, pois, um ressentimento do PSD contra aquele que foi apontado como o ‘pai das contas certas’, cujas vozes críticas não se limitaram à fase de transição para o BdP. O dedo foi apontado ao economista algarvio quando Portugal estava ainda no rescaldo da “saída limpa” do programa de resgate financeiro da troika.

No fim de 2015, na viragem para o primeiro governo de António Costa, Centeno assumiu a sensível pasta das Finanças. Menos de um ano depois, o então deputado do PSD Leitão Amaro acusa Centeno de “ficção e truques” para melhorar o défice. O mesmo tom ecoou anos mais tarde pela voz de Rui Rio, na altura líder do PSD, que acusou o ministro Centeno de baralhar intencionalmente os números para ludibriar os portugueses.

A verdade é que Miranda Sarmento sempre se opôs à nomeação de Centeno para governador do BdP, dando a estocada final com o anúncio do novo governador. Os governos PSD não deixaram passar em branco as discordâncias com o “Ronaldo das Finanças”, numa irritação que tem mais de 10 anos. Nomeá-lo seria negar (e manter) a pedra irritante no sapato no Largo de São Julião e desmentir publicamente tudo o que foi dito sobre o arqui-inimigo da direita. Colocaria em cheque o próprio ministro das Finanças, o seu principal crítico. É caso para dizer: cá se fazem, cá se pagam!