O país viveu mais de quatro anos enfiado num espartilho de austeridade para atingir um défice abaixo dos 3%. Durante esse tempo as previsões não eram o que são hoje: nunca batiam com a realidade e eram, por norma, revistas em baixa. Mergulhávamos, incrédulos e impotentes, em orçamentos que se rectificavam uns aos outros, num corrupio infernal de sacrifícios sem ética e de previsões goradas. Da Comissão Europeia aos mercados, da troika ao BCE, passando pela rua de São Caetano, todos metiam medo ao povo e, ao mesmo tempo, ignoravam o que se passava no Palácio Ratton, como se a lei principal estivesse suspensa por algum qualquer poder extra democracia que tenha abençoado o governo da direita.
Tudo isto desembocava numa das teses mais comentadas nessa altura: a de que não havia alternativa (TINA). Neste labirinto, já de si inquietante, não se vislumbrava nenhum mecanismo que desanuviasse a tensão. Em Belém residia a mãe de todas as conspirações e o pai supremo da TINA. De resto, o povo que se aguentasse. Foi neste contexto que emergiram, alegremente, duas personalidades – Gaspar e Albuquerque. Tão diferentes e tão iguais: aumentaram (muito) os impostos, cortaram rendimentos e desmantelaram o estado social, atirando gerações contra gerações, ricos contra pobres e destruindo as bases da política social. Isto era a TINA e com ela era suposto baixar o défice e controlar a dívida. Falharam qualquer um destes objectivos: nunca colocaram o défice abaixo de 3% e aumentaram 30% a dívida face ao PIB. É aqui que entra a outra personalidade que gostaria de vos apresentar: Mário Centeno. Acabou com a TINA, reduziu a carga fiscal e devolveu rendimentos. Apostou no crescimento, e ganhou, fez dois orçamentos, nenhum rectificativo, acertou nas previsões e, quando falhou, foi para serem revistas em alta. Finalmente, o défice está bem abaixo dos 3%, Portugal sairá do Procedimento de Défices Excessivos e o desemprego caiu (muito). Como se não bastasse, Belém foi invadida por afectos, que se cruzam em São Bento num cocktail colorido que ninguém previu.
O povo está feliz e, sobretudo, deixou de ter medo de assistir ao telejornal das oito. Quanto a Centeno, o veredicto dos que foram algozes do povo e do país, parece claro: não tem jeito nenhum para isto. Já Albuquerque e Gaspar andam por aí com a altivez que se conhece e os resultados que não se podem esconder. Falam bem, são espertalhões, são mestres na pós-verdade e, muito importante, não se deixam coaptar pela humildade séria e genuína que está sempre a comprometer esse tal de Centeno.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.