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Centeno quer tirar BdP da “torre de marfim” e defende “sintonia” com o Governo

Mário Centeno rejeitou que não terá conflitos de interesse se for governador do Banco de Portugal. Defendeu um supervisor mais incisivo e que assegure uma supervisão mais “eficiente e exigente”.
  • Cristina Bernardo
9 Julho 2020, 08h10

“O BdP tem que se tornar sinónimo de ação para enfrentar os inúmeros desafios no futuro próximo. Mas não os deve enfrentar numa torre de marfim, mas sim com toda a sociedade portuguesa”. A frase de Mário Centeno aponta o caminho que quer trilhar à frente do Banco de Portugal (BdP), mesmo enfrentando as críticas e resistência de todos os partidos – à excepção do PS –, enquanto lança subtis farpas à intervenção do regulador nos últimos anos.

Na audição obrigatória por lei, que ocorreu esta quarta-feira, após a nomeação do Governo para suceder a Carlos Costa, o ex-ministro das Finanças revelou, perante os deputados da Comissão de Orçamento e Finanças, pistas sobre o que pretende que seja o seu mandato: um regulador forte, interventivo,  com uma forte influência na Europa e em atuação conjunta com o Executivo.

Ao elencar os “quatro desafios-chave” que considera que o BdP tem pela frente, Centeno mostrou para onde quer ir: “assegurar uma supervisão prudencial e comportamental eficiente e exigente que acompanhe o processo de inovação tecnológica”, “participar na condução da política monetária europeia e na sua revisão estratégica”, “definir uma política macro-prudencial consonante com os complexos mecanismos de transmissão de risco no sistema financeiro” e “credibilizar o mecanismo e processo de resolução, condição para a estabilidade financeira”, disse.

“O papel do Banco de Portugal não se pode caracterizar pelo antagonismo nem pelo isolacionismo, mas antes pela complementaridade com o Governo, os restantes supervisores financeiros e com a comunidade científica”, afirmou.

Centeno contesta ideia de ser “governador de mãos amarradas”

Numa audição marcada pela expressa oposição dos partidos à sua nomeação, que alegam conflito de interesses, Centeno frisou que “a independência não é outorgada, nem proclamada, é conquistada na ação e é um dever de quem dela beneficia mostrar que a merece e exerce perante a sociedade”.

A maioria dos deputados presentes temem que o ministro das Finanças leve na bagagem conflitos de interesse na curta viagem do Terreiro do Paço para a Praça do Comércio. André Silva, deputado do PAN, foi o mais altivo nesta matéria, listando um conjunto de situações que passaram pelas mãos do antigo ministro das Finanças e que poderá revisitar eventualmente se quando for o próximo governador do BdP.

André Silva argumentou que a aquisição da totalidade do BPI pelo espanhol Caixabank, a entrada dos chineses da Fosun no capital do Millennium bcp e as vendas do Banif e do Novo Banco serão conflitos de interesse que vão fazer de Mário Centeno um “governador de mãos amarradas”.

Mas o ex-governante desviou-se dos ataques. Não só “não existe nenhuma no mundo inteiro que identifique conflitos de interesses nestas circunstâncias”, como “ o senhor deputado listou um conjunto de situações que foram decididas pelo BdP.”

“A resolução do Banif foi decidida pelo BdP. A resolução do [BES] e a venda do Novo Banco foram decididas pelo BdP. Essas decisões são decisões do conselho de administração do BdP e por órgãos tutelados pelo BdP como o Fundo de Resolução”, argumentou o ex-chefe das Finanças nacionais.

André Silva teme ainda que os atuais membros do conselho de auditoria do BdP, que avalia a atuação do governador, pode perder imparcialidade porque foram nomeados por Mário Centeno e este último voltou a defender-se. “É a primeira vez que o presidente do conselho de auditoria não é um antigo membro do conselho de administração do BdP. São pessoas que estão acima de qualquer suspeita e se ler os relatórios, não só verá o aumento da qualidade e da transparência”, referindo ainda que tem confiança de que os membros do conselho de auditoria do BdP saberão como atuar se sentirem que a imparcialidade der sinais de fragilidade.

E sobre o possível enfraquecimento do BdP face ao Governo, cuja pasta das Finanças pertence atualmente antigo braço-direito do ministro Mário Centeno, João Leão, o ex-governante vincou que o Executivo e supervisor bancário “não têm interesses conflituantes”. O primeiro, disse, “é o garante da promoção da estabilidade financeiro”, cabendo ao segundo o dever de “aconselhar”.

Mário Centeno garantiu ainda que, se houver “materialização” de conflitos de interesses, vai cumprir “escrupulosamente o código de conduta do BdP” e também a respectiva lei orgânica e “todas as obrigações que tem na sociedade”.

De resto, o ex-ministro das Finanças enalteceu o “papel crucial, de liderança”, dos governos na promoção da estabilidade financeira e explicou que, nos termos da lei orgânica do BdP, o supervisor tem “de velar pela estabilidade financeira e de aconselhar o Governo. É esta a sintonia que deve existir entre os dois para garantir a estabilidade financeira”.

“Foi difícil de compreender em Portugal que o Governo é o principal garante da estabilidade financeira”, relembrando o papel “absolutamente essencial” do Governo nos processos de resolução do Banif e de venda do Novo Banco e ainda de injeção de capital na Caixa Geral de Depósitos e vincou que, se efetivamente se tornar no próximo governador do BdP, desempenhará as suas funções em estreita ligação com o Governo.

“Eu lembro que quando tomámos posse [em novembro, dezembro de 2015], o diálogo com a Comissão Europeia tinha sido entregue ao BdP e o Governo tinha saído desta função. Este é o tipo de desestruturação institucional que não pode, em momento nenhum, acontecer e, enquanto líder do BdP — se assim vier a acontecer — garantirei que não vai haver essa posição de isolacionismo ou de confrontação que vai imperar na sociedade portuguesa e no setor financeiro”, adiantou.

“É importantíssimo que o relacionamento entre os supervisores se altere”

Outra das pedras de toque de um eventual conflito de interesses apontado pelos deputados foi a proposta para a reforma da supervisão, que acabou por não avançar porque ficou pronta perto do termo da anterior legislatura. Sobre este tema, Mário Centeno voltou a defender uma alteração da coordenação entre os supervisores, considerando que as decisões tomadas no passado poderiam ter ido mais longe, numa crítica recorrente à intervenção do seu futuro antecessor.

“O BdP e os outros reguladores financeiros não podem mostrar, no futuro, o mesmo grau de relacionamento, ou falta dele, que mostraram no passado. O quadro institucional é menos limitado do que a prática que acabou por acontecer”, disse Mário Centeno, realçando que “os modelos de supervisão dependem das regras que são definidas e de quem ocupa os cargos”.

“É importantíssimo que o relacionamento entre os supervisores se altere”, vincou. Centeno defendeu ainda a importância do papel das auditorias, considerando que não se pode “minorar, nem afastar o papel dessas auditorias nesse contexto”, acrescentando que “o reforço do papel de supervisão do BdP é contínuo e deve ser mantido. Deve haver uma supervisão muito activa nesta fase, em particular, quando temos todos os problemas do pós-pandemia connosco”.

Defendeu ainda que os objetivos de estabilização financeira que guiam quer o regulador, quer o titular das Finanças são os mesmos, pelo que não existe qualquer tipo de antagonismo. “Tivemos processos de consolidação e estabilização do setor financeiro que permitiram que Portugal tivesse um ciclo muito positivo de convergência com a União europeia. Não é possível manter esse processo se se puser em causa a estabilidade do sistema financeiro. Essa é a principal preocupação do governador do BdP e essa é a principal preocupação do ministro das Finanças de Portugal. Não há nenhum conflito nesta dimensão, entre interesse público e interesse público. Em todos eles o que está presente é o interesse nacional”, afirmou.

Partidos contra a nomeação, mas IL vai mais longe e anuncia providência cautelar

PSD, Bloco de Esquerda, CDS-PP, PCP e Chega afirmaram categoricamente estar em desacordo com a indicação de Mário Centeno para suceder a Carlos Costa, que termina formalmente esta quarta-feira o mandato à frente do regulador, ainda que continue em funções até à entrada do seu sucessor.

Porém, a Iniciativa Liberal vai mais longe na manifestação de oposição e o deputado João Cotrim Figueiredo anunciou que irá interpor uma providência cautelar em nome individual para impedir a nomeação até ser votado o projeto-lei apresentado pelo PAN que estabelece, além alterações à nomeação de membros do conselho de administração do BdP, um um período de nojo na transição de cargos de governantes para o regulador.

“No respeito pleno pela separação de poderes num Estado de Direito e dada a insatisfação que a IL tem com o processo legislativo para que esta nomeação não ocorra antes de concluído o processo legislativo”, disse João Cotrim Figueiredo, esclarecendo, face aos protestos dos deputados presentes, que o fará “enquanto cidadão, em defesa das pessoas que nos elegeram”.

A providência cautelar terá que ser analisada e decidida em sede judicial, mas Mário Centeno não respondeu à intenção manifestada pelo deputado. Limitou-se, sim, a reforçar que se sente “qualificado, motivado e apoiado nestas funções”.

O parecer da audição de Mário Centeno será elaborado pelo deputado socialista João Paulo Correia e posteriormente votado pelos partidos, ainda que não tenha um carácter vinculativo. A nomeação ficará formalizada mediante proposta do Conselho de Ministros.

https://jornaleconomico.pt/noticias/joao-cotrim-figueiredo-anuncia-providencia-cautelar-para-travar-nomeacao-de-mario-centeno-para-o-banco-de-portugal-610980

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