O debate presidencial americano desce a um nível julgado impróprio para quem se encontra no centro da defesa dos valores da democracia ocidental e na proteção de um modelo que representa a liberdade e a garantia dos direitos individuais.

Ao longo da história, os EUA deram exemplos de estar na vanguarda da salvaguarda de direitos, liberdades e garantias. O espírito dos “pais fundadores” repercutiu-se pelos tempos na defesa da democracia e da liberdade, na elevação da pessoa humana e da responsabilidade internacional. Nem sempre foi assim: a luta contra o esclavagismo tropeça na pena de morte; à intervenção na II Guerra e à ação na Guerra Fria contrapõe-se a recusa de participar na Sociedade das Nações ou a ação militar assente em situações de interesse económico.

Apesar disso, as presidenciais americanas despertam-nos uma atenção inusitada. Acompanhamos as primárias nos vários estados com a curiosidade que o desconhecimento do sistema suscita. Aderimos a um candidato independentemente do partido, partindo do princípio que o sistema partidário é mais aberto e menos clubístico do que o europeu.

O recente debate televisivo entre Hillary Clinton e Donald Trump concentrou a nossa atenção porque esperávamos um despique aceso e violento entre o desafiante e a candidata do sistema, mas apenas se desiludiu quem esperava um combate de ideias. Em suma, ficaram muito distantes do primeiro e épico debate televisivo em 1960 entre John Kennedy e Richard Nixon.

Kennedy representou a afronta ao sistema, rasgando horizontes, desafiando consciências, no melhor sentido da tradição política americana. Jovem, com um discurso sereno, mas orgulhoso na nação americana, defensor da liberdade e da integração racial. Pelo contrário, Nixon representava a continuidade, o cinzentismo de Washington e a incapacidade de compreender a evolução da sociedade americana, que então deu um passo gigante para uma revolução de costumes e de cultura, decisiva para que os EUA se assumissem como exemplo nas décadas seguintes.

John Kennedy não tinha apenas esse estilo nem esse discurso. A sua presidência assumiu a rutura com o modelo ultrapassado e conservador de deixar a América para os americanos. A luta pelos direitos civis, a abertura ao mundo e a novos valores proporcionaram aos americanos uma evolução social e económica sem precedentes.

A campanha atual não afina por este diapasão. Entre a campanha certinha de Hillary e o desafio arrogante e medíocre de Trump, as presidenciais americanas chamam a atenção pelos piores motivos, entre a demagogia e o descrédito.

O extremismo e o populismo têm hoje um enxerto europeu que bebe na esquerda e na direita. O desaparecimento do centro promovido por alguns desacredita o sistema atual, destrói as sociedades e a democracia. Importa lutar contra esta tendência, à semelhança do que Kennedy representou. É sempre possível conciliar mudança e evolução com verdade e realismo.