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CFP alerta para impacto “desconhecido” no capital do Novo Banco da litigância com o Fundo de Resolução

No relatório “Perspetivas económicas e orçamentais 2020-2022”, o CFP diz que “existe um risco adicional para as finanças públicas caso o rácio de capital total do Novo Banco se situe abaixo do requisito estabelecido pelas autoridades de supervisão”. Nesta situação, o Estado Português poderá ter de disponibilizar fundos adicionais de forma a que o banco cumpra os requisitos regulatórios. É a chamada Capital Backstop que foi autorizada por Bruxelas para casos “extremos”. O CFP alerta para incógnita sobre o impacto no capital do banco do diferendo na contabilização das IFRS 9.
  • Cristina Bernardo
4 Junho 2020, 08h07

O Conselho das Finanças Públicas (CFP) alerta, mais uma vez, para o impacto da backstop facility do Estado (isto é, a cláusula de emergência ‘fall back’), que ficou estipulada no acordo entre o Estado e a Comissão Europeia no âmbito da venda do Novo Banco, em 2017.

“No âmbito dos apoios ao sistema financeiro, as projeções apresentadas neste relatório apenas consideram os relativos ao Novo Banco. A este respeito, recorde-se que o Estado Português se encontra sujeito às obrigações previstas no Acordo de Capitalização Contingente do Novo Banco até um máximo de 3.890 milhões de euros [já só faltam 912 milhões para esgotar o mecanismo]”, diz o relatório “Perspetivas económicas e orçamentais 2020-2022”, publicado esta quarta-feira.

“O impacto no ano de 2020 ascende a 1.035 milhões de euros (um valor superior aos 600 milhões de euros previstos na POE/2020), tendo esse pagamento ocorrido no passado dia 6 de maio”, acrescenta o CFP no seu relatório.

Mas o organismo liderado por Nazaré Costa Cabral diz ainda que “para 2021, consideraram-se os 400 milhões de euros previstos pelo Ministério das Finanças no Programa de Estabilidade/2019”. Isto porque, “caso o rácio de capital total do Novo Banco se situe abaixo do requisito estabelecido pelas autoridades de supervisão, o Estado Português poderá ter de disponibilizar fundos adicionais de montante desconhecido por forma a que o banco cumpra os requisitos regulatórios (Capital Backstop)”.

Já no ano passado o CFP tinha deixado um alerta sobre o capital backstop acordada entre o Estado e Bruxelas, quando o Novo Banco foi vendido à Lone Star e deixou de ser banco de transição. No relatório de análise ao Programa de Estabilidade 2019-2023, divulgado há um ano, a instituição liderada por Nazaré da Costa Cabral já dizia que “além dos riscos decorrentes de medidas de política, subsistem pressões relativas ao potencial impacto de medidas de apoio ao setor financeiro”. O CFP alerta anualmente para o impacto nas Finanças Públicas de potenciais medidas de apoio ao Novo Banco.

No relatório deste ano, o CFP frisa que “acresce que neste momento decorre um conflito judicial que opõe o Novo Banco e o Fundo de Resolução, relacionado com a decisão de alterar o impacto do regime contabilístico (IFRS9) nos fundos próprios do banco, e que poderá vir a ter um impacto negativo para o Fundo de Resolução, não sendo claro que esse eventual impacto possa ter cobertura no âmbito do referido mecanismo de capital contingente”. Isto é, o CFP diz que o diferendo entre o Novo Banco e o Fundo de Resolução sobre a forma de contabilizar as imparidades, que vai ser decidido por um júri em Tribunal Arbitral, pode impactar nos fundos próprios do banco. Mas como, segundo o CFP, não é claro se esse impacto pode ser coberto pelo Mecanismo de Capital Contingente, o risco de poder ser invocado o “capital backstop” do Estado aumenta.

Sendo que, tal como previsto, se a clausula “fall back” fosse accionada o Novo Banco teria de implementar remédios muito rigorosos que iria minimizar a atividade do banco.

Como é já público o novo modelo de contabilização de imparidades podia ser implementado de uma vez ou de forma faseada. O Novo Banco começou por pedir a adaptação das regras IFRS9 de forma faseada, mas quer alterar o regime de transitório para fully implemented, o que significa um aumento de imparidades uma vez que o IFRS 9 permite constituir imparidades com  base em perdas de crédito esperadas.

O Novo Banco pediu autorização para mudar a forma como regista os efeitos no seu capital do regime contabilístico IFRS 9 desde 2018. O Banco Central Europeu deu luz verde a essa mudança (saída do regime transitório, que limitava o impacto do regime nos rácios de capital até 2023, para a total implementação, em que esse faseamento já não existe e o impacto é imediato).  No entanto, o Fundo de Resolução, com 25% do banco e responsabilidade de injectar eventuais necessidades de capital, não está de acordo ao abrigo do Mecanismo de Capital Contingente, precisamente porque poderá ter custos com esta decisão. Essa divergência vai ser decidida, de acordo com os mecanismos do contrato, por um Tribunal Arbitral (árbitros).

O facto de o Novo Banco deixar o regime transitório a que aderiu em 2018 (e que se estendia até 2023) para passar para o regime de total implementação terá um impacto em torno de 200 milhões de euros. O que, se todo este montante afetasse os ativos sob o mecanismo, poderia obrigar o Fundo a uma injeção até àquela importância.

“Relativamente ao impacto da eventual saída do regime transitório nos fundos próprios do Novo Banco, o Fundo de Resolução transmitiu ao Novo Banco o entendimento de que esse impacto — caso venha a ocorrer — não se encontra abrangido pelo mecanismo previsto no acordo de capitalização contingente”, esclareceu ao jornal “Expresso” o Fundo de Resolução.

Cabe ao Fundo de Resolução avaliar o impacto dessa medida no mecanismo de capital contingente e é daí que vem a divergência de posições, pelo que as partes vão recorrer a tribunal arbitral. António Ramalho já se mostrou optimista com o desfecho judicial que espera venha a ocorrer.

Na Comissão de Orçamento e Finanças (COF), o CEO do Novo Banco, respondeu aos deputados sobre o tema. “O IFRS 9 foi implementado em 2018 e o banco pediu para o adaptar de forma transitória dando nota que o pedia porque não saberia como é que os outros bancos o iam fazer, e tendo em conta que o Novo Banco tinha o fazer sob pena de ter de o adoptar instantaneamente. Mas o banco disse que no final do ano reveria a sua posição em função daquilo que seria a experiência dos outros bancos”, disse António Ramalho aos deputados. O CEO do Novo Banco explicou na altura (em abril deste ano) que a adopção das IFRS 9, ou se fazem à cabeça ou se fazem ao longo de cinco anos.

“Em 2018 reavaliámos e pusemos no orçamento de 2019 e quando íamos implementar tivémos esta divergência de Fundo de Resolução e por isso e deixá-mo-la pendente. O BCE teve de intervir, e Frankfurt autorizou o banco a fazer a mudança do regime, ainda que com nota especificas.  Mas não impôs que o fizéssemos. O que eu posso dizer é que esperamos vencer no Tribunal Arbitral”, disse António Ramalho na COF.

A possibilidade de o Estado poder ser chamado a pôr mais dinheiro no Novo Banco para além do papel de financiador que assume no mecanismo de capital contingente do Fundo de Resolução (3,89 mil milhões de euros), em cenário “super adverso”, já era conhecida. Na altura a Comissão Europeia oficializou essa notícia ao tornar público o documento enviado às autoridades portuguesas que fundamenta a autorização de Bruxelas à venda de 75% do Novo Banco ao Lone Star, o que ocorreu em outubro de 2017.

Em outubro esta medida foi chamada de cláusula de emergência (‘fall back’), e é a medida 3 no documento da Comissão. Trata-se de uma cláusula opcional, ou seja, não obrigatória, e com validade de cinco anos, proposta pela própria Direção-Geral da Concorrência (DG Comp) da Comissão Europeia.

A DG Comp europeia soma a injeção do Estado na criação do banco de transição, no âmbito da aplicação da medida de Resolução, 4,9 mil milhões (dos quais 3,5 mil milhões foi classificado por Bruxelas como government guaranteed bank bonds – GGBB). A isto soma os 3,89 mil milhões de euros do mecanismo de capital contingente criado em 2017 e soma ainda a tomada firme de 400 milhões de euros de obrigações subordinadas que contam para Tier 2 do rácio de capital. Isto apesar de estar previsto que será usado o dinheiro do mecanismo de capital contingente (que dura 8 anos) para comprar essas obrigações, caso o mercado não as subscreva.

Bruxelas entendeu que tinha de somar os dois montantes e assim o montante da ajuda do Estado ao Novo Banco incluida nas medidas de 2017 é de até 4,29 mil milhões de euros , “acrescido do montante necessário para garantir a solvência no cenário adverso da Comissão”, tornou público na altura a Comissão Europeia.

https://jornaleconomico.pt/noticias/apoios-estatais-ao-novo-banco-podem-chegar-a-1081-mil-milhoes-de-euros-277719

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