A sustentabilidade da Segurança Social voltou a ser questionada, após um relatório do Tribunal de Contas apontar para um défice, mas a consolidação das contas com a Caixa Geral de Aposentações divide opiniões, segundo especialistas ouvidos pela Lusa.
Maria Teresa Garcia, professora no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e com vários artigos publicados sobre o tema das pensões, é taxativa: falar das contas da Caixa Geral de Aposentações (CGA) juntamente com as de um sistema previdencial como o da Segurança Social “não faz sentido nenhum” e não contribui para a transparência, “antes pelo contrário”.
“Não faz sentido nenhum juntar as situações e dizer que há um ‘buraco’. Não há um ‘buraco'”, tal como não faz sentido “falar de défice da CGA, porque não há défice”, afirma a economista, sustentando que pior ainda do que esta ‘mistura’ é pegar na questão da sustentabilidade para alterar as regras do sistema.
Numa auditoria aos relatórios sobre a Sustentabilidade Financeira da Segurança Social que acompanham as propostas de Orçamento do Estado (OE) entre 2018 e 2024, divulgada no final de janeiro, o Tribunal de Contas (TdC) conclui que o modelo que suporta as projeções deste relatório “não projeta adequadamente a receita e a despesa do sistema previdencial da Segurança Social”.
O relatório, conclui a auditoria, “não é completo nem abrangente”, porque, “apenas se reporta à componente contributiva da Segurança Social, não incluindo a parte não contributiva e o regime de proteção social convergente relativo aos trabalhadores inscritos na Caixa Geral de Aposentações”.
Lembrando que o regime de proteção dos funcionários públicos é muito anterior ao sistema previdencial (que abrange os trabalhadores do privado e, desde 2006, os funcionário públicos que foram entrando para a Administração Pública), Maria Teresa Garcia sublinha as diferenças entre os regimes.
Neste contexto, lembra que enquanto na Segurança Social o empregador faz um desconto equivalente a 23,75% da remuneração dos trabalhadores, na CGA o Estado não faz esta contribuição, porque assumiu o compromisso de pagar as pensões a estes trabalhadores.
Além disso, assinala, tendo a CGA sido fechada a novas inscrições no final de 2005, as receitas geradas pelas contribuições dos funcionários públicos admitidos desde então deixaram de alimentar este sistema de proteção gerido pela Caixa Geral de Aposentações.
Neste contexto, rejeita que se olhe para a situação da CGA e se fale de défice e de sustentabilidade do sistema.
Já o antigo ministro do Trabalho e Segurança Social, Pedro Mota Soares, refere que nos últimos anos o país tem discutindo, sobretudo, se as pensões vão aumentar, quanto e se este aumento é permanente ou extraordinário, mas não fala do tema de forma sustentada.
Para Pedro Mota Soares é necessário que se fale do tema da sustentabilidade da Segurança Social tendo em conta a expectativa do aumento da esperança média de vida e da redução do número de ativos por pensionista.
“Terá de se ver como se conjugam estas duas situações” porque a sustentabilidade do sistema de pensões não é apenas não haver dinheiro para as pagar, mas ser um sistema que paga pensões muito baixas, o que cria outro problema.
“É importante que país perceba quais os recursos que vai ter de alocar para pagar as pensões no futuro”, refere o antigo ministro do Governo de Pedro Passos Coelho, assinalando que o Estado tem uma responsabilidade no pagamento das pensões dos funcionários públicos, sendo que a CGA é um sistema que está estruturalmente “em défice” e que “vai pesar” nos “bolsos dos contribuintes”.
“Hoje o sistema da Segurança Social tem uma ‘almofada’ financeira — que foi paga pelas empresas e pelos trabalhadores”, refere Mota Soares, acrescentando que esta “não deve servir” para pagar o défice da CGA.
O economista João César das Neves, por sua vez, salienta que a Segurança Social “tem contas bem definidas, com prestações e contribuições claras, que permitem calcular a sua real situação financeira”.
Já a CGA tem um “financiamento diferente, direto do Orçamento do Estado, pelo que aí esse cálculo é mal definido”, diz, defendendo que “a única forma de conhecer a verdadeira situação financeira global do sistema de prestações sociais é consolidando as duas contas”.
O economista considera que o sistema de Segurança Social “só resistirá se for concebido de forma realista e sólidos em termos financeiros”.
Apesar de este tema não ser consensual, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social assegurou, na semana passada, que “não deve haver qualquer razão para alarmismos” sobre o sistema de pensões.
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